Katamari Damaci Reroll – A reparação do cosmos

Às vezes as boas ideias para a criação de um videojogo nascem a partir de coisas simples. Que o diga Keita Takahashi, o criador de Katamari Damacy, lançado no dia 18 de Março de 2004 para a PlayStation 2. Na Game Developers Conference, em 2005, quando boa parte da indústria já conhecia os efeitos da bola gigantesca que agregava qualquer objecto do seu tamanho quando posta a rolar, o produtor japonês sustentou que pensou numa mãe panda a rebolar com as suas crias num jardim zoológico. Ele queria fazer um jogo acessível, que todos pudessem jogar e não fosse dirigido apenas para um segmento de jogadores. Num tempo em que o conceito dos jogos “indie” era praticamente inexistente, Katamari Damacy foi como que uma espécie de abertura de porta para jogos mais ousados e criativos do ponto de vista conceptual.

No pré-lançamento de Katamari Damacy, na Tokyo Game Show de 2003, há uma imagem na qual se vê duas crianças a fazer rolar uma bola do seu tamanho. Trata-se de um desporto praticado nas escolas japonesas durante o tempo do ensino básico, chamado “otama korogashi”. Observando essa imagem, Keita Takahashi terá pensado em como deu sequência ao design de Katamari Damacy, ao ponto de fazer deste um jogo simples embora desafiante, capaz de ser jogado por pessoas não tão afectas a videojogos; novos, velhos, versados ou não versados.

Otama korogashi é uma competição no ensino básico, no Japão

Katamari Damacy incorpora esses traços de simplicidade, ao funcionar apenas com dois botões analógicos (começou com o DualShock, da PS2) para fazer rolar a esfera, e dessa forma todos os objectos do seu tamanho ou inferior são colados, o que vai tornando a bola cada vez maior. À medida que cresce mais coisas passam a colar-se. No fundo é um conceito simples, que não foi fácil de erguer mas prevaleceu enquanto desafio. A fórmula conheceu sucesso imediato, tanto no Japão como no mercado americano e europeu, através da Electronic Arts. Apesar das reticências da Bandai Namco em levar o jogo a edição, Keita Takahashi conseguiu convencer os seus superiores, com uma versão do jogo muito mais próxima da final.

Em 2005 a Bandai Namco publicou a sequela (We Love Katamari), bem como uma versão do jogo para a PSP (Me & My Katamari). A esfera de Takahashi e o príncipe que a controla lançaram-se numa viagem pelo cosmos, pelo universo dos videojogos, superando expectativas e encontrando aprovação tanto na indústria dos videojogos como nas artes. Para o The Guardian, numa lista publicada em 2019, Katamari Damacy integra os 50 melhores jogos do século XXI. Numa edição publicada em 2015 dos “The 100 Greatest Videogames”, da EDGE, Katamari Damacy figura no nonagésimo posto. Venceu ainda dois prémios da Academia das Ciências e Artes Interactivas. A viagem prossegue ainda hoje com remasters do jogo original, como sucede com Katamari Damacy Reroll, lançado em 2018 para a Switch e para o PC, adicionando os comandos por movimentos enquanto opcional. Na semana passada a versão Switch pode ser testada gratuitamente, ao longo de 6 dias, pelos assinantes do serviço online da consola da Nintendo.

Keita Takahashi tem formação na escultura mas cedo decidiu que queria produzir videojogos.

Depois de deixar a Bandai Namco, na qual ainda desenvolveu Noby Noby Boy, Keita Takahashi emigrou para os Estados Unidos. Ainda que esteja ligado à Namco pelo maior sucesso pessoal até ao momento, depreende-se numa entrevista dada ao Kotaku, em 2019, que a relação com a produtora e editora japonesa não foi a melhor, especialmente depois da entrada da Bandai. A viver nos Estados Unidos, aceitou o desafio: “quando vais para outro país, as tuas ideias sobre o que é típico e normal são postas à prova. Não é apenas a comida ou a linguagem, quanto mais mergulhas numa cultura mais diferenças encontras no epicentro da tua nova morada”.

Para um jogo que visa proporcionar às pessoas divertimento e uma sensação de controlo do esférico sobre coisas do dia a dia, a premissa de consertar o cosmos (fixar de volta as estrelas e as constelações) através da criação de esferas de tamanho variável, levando a terra à sua destruição a partir de uma bola gigante, ao ponto de colar pontes, arranha-céus e outras construções, não deixa de ser surpreendente. Uma destruição do mundo sem mísseis, sem o inverno nuclear. Simplesmente, uma esfera gigante que agrega humanos e todo o tipo de objectos. Numa escala notável, não sendo no entanto um jogo particularmente longo e ausente de repetições, é no crescimento, a partir de um quarto de uma casa de habitação até à superfície terrestre de uma cidade, que consegue impressionar pela dimensão.

É difícil enquadrar Katamary Damacy num determinado género.

Não tendo controlo sobre as actuais reedições de Katamari Damacy, talvez Keita Takahashi as veja como uma forma de redefinir a perspectiva com que saiu da Bandai Namco e decidiu sair do Japão e passar a viver nos Estados Unidos. Talvez esteja agora a compor o seu cosmos, a devolver à escuridão os pontos das constelações. “O mundo é tão grande. Pensava que podia fazer diferentes jogos. Essa foi a maior justificação.”

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