Ghostwire: Tokyo review – estranho, mas cativante

Eurogamer.pt - Recomendado crachá
O gameplay é simples, mas permite um jogo divertido e estranho, sem nada igual. Mesmo com as falhas, poderá deixar-te fascinado.

Ghostwire: Tokyo está finalmente disponível, o novo trabalho de Shinji Mikami que partilha o destaque criativo com o sangue novo que está a recrutar e a formar. Apesar do nome Shinji Mikami estar associado a Resident Evil e ao survival horror, este mestre japonês é conhecido por muito mais do que isto. Conta no seu currículo com uma lista invejável de trabalhos e apesar de ter iniciado a sua vida na sua própria TangoGameworks com The Evil Within (uma tentativa de recuperar o bom nome para os survival horror após a Capcom o colocar na lama), Mikami é um criador multifacetado que já trabalhou em diversos géneros e estilos gameplay. Além disso, e muito importante, este é um trabalho no qual o sangue novo ajudou a criar um híbrido entre o passado de Mikami e o que pretende para o futuro.

Anunciado em junho de 2019, Ghostwire: Tokyo esteve envolto em mistério durante imenso tempo e mesmo após presenças na State of Play, permaneceu imensa incerteza sobre o que esperar do novo jogo do estúdio do criador de Resident Evil, mas que estava a ser desenvolvido pelos seus pupilos. Quando assisti a um evento especial em fevereiro, fiquei de imediato intrigado com o que foi revelado e ansioso pelo lançamento. Essa data chegou finalmente e após as 12h22 que precisei para terminar a narrativa (ainda existe muito mais para fazer e imensas missões secundárias para cumprir), posso dizer que Ghostwire: Tokyo é um dos meus jogos favoritos neste início de vida das consolas de nova geração.

Ghostwire: Tokyo é um jogo de ação e aventura na primeira pessoa, não é um survival horror, mas conta com elementos inspirados nesse género que faz parte do ADN do estúdio. Existem momentos de tensão, a atmosfera é espetacular e poderás ficar inquieto com os ambientes que encontrarás em partes da história ou missões secundárias, mas os sustos são raros. Além disso, é uma espécie de híbrido entre os habituais singleplayer cinematográficos e jogos em mundo aberto. Não é linear, mas aposta na narrativa, com imensas cutscenes para os principais eventos, enquanto o seu design é o de um mini mundo aberto que cresce consoante progrides na narrativa e executas as já habituais tarefas do género (derrotar inimigos e limpar portais para limpar o nevoeiro letal que se abateu sobre Tóquio).

Tóquio cercada por nevoeiro e espíritos

A narrativa é bem simples e apesar de algumas personagens interessantes, não conhecerás nenhuma particularmente memorável. Apesar do jogo em si conseguir criar algum fascínio consoante jogamos e exploramos esta Tóquio fantasmagórica, o elenco de vilões não é um trunfo. Quando um vilão e os seus capangas cercam Tóquio com um nevoeiro mortífero para permitir que espíritos invadam a nossa dimensão, milhares de pessoas desaparecem de um momento para o outro para que os seus espíritos possam ser usados num plano maléfico.

O protagonista é Akito, um jovem que não morre no ataque inicial porque KK entra no seu corpo e lhe dá acesso a poderes místicos para sobreviver e combater os espíritos. KK precisa de um corpo para sobreviver e Akito morreria sem isto, no entanto as coisas interligam-se ainda mais quando o vilão rapta Maru, a irmã de Akito, para a usar no seu plano diabólico. A dupla que partilha o mesmo corpo terá de trabalhar em conjunto para perseguir os vilões e aos poucos e poucos vais descobrir o que se está a passar e aprofundar o drama de outras personagens.

Apesar da premissa ser muito interessante e das primeiras horas envoltas em mistério conseguirem agarrar a atenção, Ghostwire: Tokyo nunca se torna particularmente especial neste departamento. A narrativa está envolta em drama, mistério e no sobrenatural, com algumas personagens interessantes, mas não tens nenhuma cutscene particularmente espetacular que te deixa empolgado. É uma narrativa de mistério sobrenatural, mas cuja ausência de maior carisma nas personagens não lhe permite alcançar outros patamares. Cumpre a sua função para te incentivar a vaguear por Tóquio, pouco mais do que isso.

Gameplay muito próprio, cuja simplicidade será divisória

Diria que o gameplay de Ghostwire: Tokyo será o seu elemento mais divisório e enquanto uns vão abraçar a simplicidade (porque frequentemente menos é mais), outros vão desejar uma maior profundidade. Com a exceção de sentir que nenhuma boss fight é memorável e que a escassa variedade de inimigos no mundo aberto o prejudica muito, diverti-me imenso com o gameplay em mini mundo aberto que a Tango Gameworks criou. Numa era em que metade das companhias apostam em remasters ou sequelas, enquanto a outra metade tenta seguir modas, este estúdio japonês apostou numa propriedade original que mistura elementos mais comuns nos jogos cinematográficos lineares com os designs em mundo aberto. Com o cenário japonês como toque especial, fiquei rendido.

Akito usa os poderes de KK através de ataques especiais relacionados com o vento, água e fogo (também pode usar talismãs especiais e um arco com flecha), mas são os poderes que envia pelos dedos o seu principal meio de ataque. O ataque de vento é mais rápido e de maior alcance, o de água permite quebrar os guarda-chuvas dos espíritos que é o seu escudo (metáforas japonesas para uma sociedade muito própria) e o ataque de fogo é poderoso, pode atravessar o inimigo e atacar os que estão atrás, mas a “munição” é muito mais escassa. Além disso, quando és atacado, ativar a barreira de defesa no timing certo permite não sofrer dano e afastar o inimigo se for um ataque físico (falhar o timing perfeito permite-te defender), mas perdes na mesma alguma vida. Isto é a base do gameplay de Ghostwire: Tokyo e apesar de existir aqui dinâmica, a verdade é que a dificuldade é muito baixa e é um jogo no qual podes dizer que nos primeiros 20 minutos já viste toda a experiência que terás nas próximas 12 horas. Atenção que completar tudo exige mais de 40 horas e agora que estou a perseguir a platina, terei imensas horas de jogo pela frente.

Esta Tóquio em mini mundo aberto conta com tudo o que é habitual nos jogos de mundo aberto. Portais para limpar que servem como ponto de viagem rápida, colecionáveis com fartura, missões secundárias em quantidade abundante que variam entre o banal e rápido com algo maior, estátuas para rezar que te melhoram a “munição” dos poderes, guaxinins disfarçados de objetos do quotidiano, e ainda XP para subir de nível e desbloquear habilidades que te tornam mais forte. Não falta aqui nada e isto é totalmente opcional, mas parte do apelo de Ghostwire: Tokyo passa por aqui. Se esta Tóquio te conquistar, o gameplay relativamente simples não vai interferir com o teu desfrutar do jogo e descobrirás que a agilidade dos movimentos e travessia criam uma boa fluidez que te permite vaguear à procura de uma enorme quantidade de extras.

Quando dei por mim, não estava a seguir a narrativa de Ghostwire: Tokyo, estava a vaguear por Tóquio, a perseguir novas missões opcionais. Não para subir de nível, mas sim para me envolver ainda mais nesta atmosfera fantasmagórica que me agarrou, tal como Akito faz quando os núcleos dos espíritos ficam expostos e ele os puxa com os seus poderes. Sim, a dificuldade reduzida e a pouca variedade de inimigos não permitem ao gameplay em si brilhar como devia, mas fiquei rendido a esta Tóquio, sempre à procura de explorar mais e mais.

O que eu quero dizer é que Ghostwire: Tokyo é mesmo japonês e evidencia-o em todos os seus poros. Seja nas cutscenes, narrativa e personagens com imensos momentos fora da caixa que relembram o que era feito noutras eras (numa parte do jogo tens de reparar uma moto equipada com um escudo que permite atravessar o nevoeiro, por exemplo), como também nas missões opcionais que mostram tão bem o uso do folclore e nonsense tão japonês. Numa das missões, um espírito queria ir à casa de banho de um parque público e não conseguia porque estava ocupada. Lá dentro estava outro espírito num momento de aflição porque não tinha papel. Tive de procurar nas outras casas de banho por papel e quando lhe dei dois rolos ele libertou-se da aflição que o prendia a esta dimensão. Noutra missão, tive de purgar um espírito que estava a estragar o som do piano que o espírito de uma criança prodígio estava a tocar. Dentro da casa tive de procurar pistas e perceber o que se estava a passar.

Se estes exemplos da personalidade de Ghostwire: Tokyo te deixam intrigado, talvez possas ficar como eu, rendido e até apaixonado pela proposta tão singular que é este trabalho da Tango. Além do seu carisma tão próprio e de elevado nível de japonesice, Ghostwire: Tokyo surpreende com a sua atmosfera e nível de detalhe nesta imaginação de como seria a cidade se o sobrenatural invisível se misturasse com a nossa dimensão. Desde os gatos e cães nas ruas que questionam onde estão os humanos, as músicas que continuam a tocar nos bares após as pessoas terem desaparecido ou a forma como o néon continua a brilhar e a criar reflexos lindos no chão onde a chuva caiu tão ferozmente momentos antes. Este é um jogo que facilmente ficará na memória dos seus jogadores, como um clássico de culto a acarinhar.

Estranho, diferente e simples

Debati-me imenso sobre o selo de recomendado em Ghostwire: Tokyo devido à fragilidade que algumas falhas significam para a experiência no geral, mas enquanto fã de jogos de ação e aventura, com foco na narrativa e especialmente localizados no Japão, não consigo deixar de recomendar este trabalho da TangoGameworks. Sim, o gameplay é relativamente simples, mas adorei descobrir este jogo tão diferente e confesso que dei por mim viciado nas atividades secundárias, sempre à procura de novas lendas urbanas em Tóquio, com um sabor tão caracteristicamente japonês. A atmosfera alcançada é mesmo cativante. Se este é o tipo de experiências que a Tango fornecerá em exclusivo à Xbox, então Ghostwire: Tokyo poderá assumir contornos ainda mais especiais. É um jogo que merece carinho e espero que não seja reconhecido apenas nas listas de final de ano como “um dos grandes jogos de 2022 que ninguém jogou”.

Prós: Contras:
  • Um singleplayer com um design de mini mundo aberto que permite elementos que geralmente não vês em sintonia
  • Atmosfera envolvente e convincente
  • O gameplay é simples, mas é divertido usar os poderes e talismãs
  • Bom uso do DualSense
  • Boa qualidade gráfica com diversos momentos impressionantes
  • Não é um jogo de terror, mas tem momentos tensos e assustadores
  • Esta Tóquio com espírito e solidão consegue uma imersão irresistível
  • Algumas missões secundárias são surreais e cómicas
  • A história não consegue agarrar-te a sério e não existe um personagem de destaque
  • Nenhuma boss fight particularmente memorável
  • Pouca variedade nos espíritos que vagueiam por Tóquio
  • A sensação que existem demasiados colecionáveis
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