Tell Me Why review – Drama no Alasca

Embora Tell Me Why sejam um jogo altamente dependente da sua narrativa esta review está livre de spoilers.

Tell Me Why é o novo jogo narrativo do estúdio francês Don’t Nod Entertainment. Desde 2013, com o lançamento de Remember Me, o seu primeiro jogo, que o estúdio desenvolve jogos em torno de habilidades relacionadas com memórias e viagens no tempo para o passado (Vampyr foi a única excepção). Esta nova aventura gráfica, dividida em três episódios, é um regresso a território familiar tanto para o estúdio como para os seus fãs. Temos novamente um jogo altamente focado na narrativa, como já tinha acontecido em Life Is Strange, uma estrutura episódica, e personagens com habilidades especiais nas quais o jogo assenta as suas principais mecânicas.

Apesar destas semelhanças com os jogos anteriores, Tell Me Why é também um jogo muito diferente pelas temáticas abordadas. Este é o primeiro grande lançamento a colocar uma personagem trânsgénero no papel de protagonista. É verdade que têm havido um esforço colectivo da indústria para haver mais variedade nas personagens dos videojogos, mas muitas vezes a sua representação acaba por não ser a mais natural. Por vezes, parece até que é apenas um pâramatro numa grande checklist de coisas que os videojogos têm que ter na modernidade. Em Tell Me Why, felizmente isso não se verifica. O facto de um dos protagonistas ser trânsgénero não é o tema principal da história , mas está bem emaranhado na narrativa e no desenvolvimento da personagem (isto é, sentes que é parte integrante e não apenas um mero adereço para enfeitar).

Os gémeos Ronan

Alyson e Tyler são dois irmãos gémeos e os protagonistas de Tell Me Why. Separados quando ainda crianças depois de um evento traumático, voltam a reencontrar-se anos depois para regressar à casa onde cresceram, tratar de separar o lixo daquilo que lhes é valioso, e tratar de arranjar um vendedor para seguirem em diante com as suas vidas. Este regresso a casa leva inevitavelmente os irmãos a procurar respostas para coisas que aconteceram no passado. É aqui que entra uma das habilidades sobrenaturais da dupla, a capacidade de reviver e partilhar em tempo real memórias despoletadas por sítios onde já estiveram anteriormente.

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Mas nem todas as memórias de Alyson e Tyler coincidem. Os irmãos descobrem que há pormenores que são diferentes nas suas memórias e cabe ao jogador decidir qual é a memória que prefere, o que tem um peso narrativo. O problema aqui é que a escolha é completamente arbitrária, não havendo propriamente uma memória que mais se aproxima da verdade. Escolher as memórias é apenas uma forma de de aproximar ou afastar Alyson e Tyler, afectando ligeiramente a sua relação, mas não há uma preocupação em chegar à verdade.

Chegar à verdade acaba por ser irrelevante porque a história desenrola-se mais ou menos da mesma forma independentemente da decisão do jogador. Embora surjam vários momentos de escolha, como na escolha das memórias e diálogos de confronto com personagens chave, sentimos que o nosso impacto no desenvolvimento narrativo tem pouco peso. Pouco-a-pouco, isto prejudica o nosso envolvimento narrativo. Num jogo de escolhas é essencial que o jogador sinta o impacto das suas decisões, o que não acontece em Tell Me Why. Todas as decisões parecem triviais e ultimamente irrelevantes.

Um drama numa pequena vila

Estes jogos episódios costumam ser altamente dependentes da nua narrativa. Tell Me Why não é excepção e é um daqueles casos em que é excepcionalmente difícil abordar a história sem entrar detalhes específicos. A história está completamente centrada nos irmãos gémeos, havendo uma troca regular entre a personagem que jogamos: por vezes controlamos Alyson, outra vezes Tyler. Nem todos os momentos são interessantes e dei por mim em situações em que progressão narrativa está dependente de tarefas mundanas e aborrecidas. É como se estes momentos apenas existissem para dar a ideia de que Tell Me Why é mais um jogo do que um filme interactivo.

O drama da Alyson e Tyler para redescobrir o seu passado, com revelações emocionalmente pesadas para os dois, é suficientemente apelativo para nos levar a querer acabar esta história de três episódios (cada um dura aproximadamente três a quatro horas). É uma história dada de uma forma mundana, sem os “confetes” habituais das grandes produções, com personagens credíveis, humanas e imperfeitas.Mas para todo o mistério envolvido, o final acaba por ter menos impacto do que esperado e há coisas que ficam por explicar. Não me sinto desiludido, mas também não fiquei completamente satisfeito.

g__meos_ronan_tell_me_whyO jogo usa recordação de memórias para ir contando a história de infância dos gémeos.

No entanto, há momentos encantadores pelo meio. Adorei como um dos livros de infância dos gémeos, chamado Book of Goblins, é usado como uma ferramenta para resolver vários puzzles – alguns opcionais, outros não – que há para resolver. Para além da narrativa directa, Tell Me Why recorre imenso aos objectos do cenário que podes observar de mais perto para dar mais profundidade às personagens e enriquecer a história com mais detalhes. Esta exploração é completamente opcional, pelo que se não de deres ao trabalho de interagir com todos os pontos do cenário, ficas a perder. Por outro lado, toda esta interacção com o cenário também tornou o jogo por vezes, não sendo claro o que tinha de fazer a seguir para progredir.

Um jogo com intenções nobres

A inclusão e a boa representação de um protagonista transgénero num jogo com este tipo de exposição é importante. A Don’t Nod Entertainment teve claramente intenções nobres na criação do jogo e conseguiu criar um leque de personagens apelativas que participam nesta história drama e mistério que envolve dois irmãos gémeos que estiveram separados durante longos anos. Independentemente disso, a qualidade narrativa tem flutuações, que aliadas ao impacto reduzido das decisões feitas pelo jogador nos deixaram com impressões de Tell Me Why que tanto vão para o lado positivo como para o negativo.

Prós: Contras:
  • Representação natural de um protagonista transgénero
  • Personagens apelativas
  • História cativante, que cria interesse em desvendar o mistério
  • Boa selecção musical
  • As escolhas narrativas parecem pouco importantes
  • Há momentos aborrecidos
  • Não impressiona visualmente e não tem suporte para resolução ultra wide
  • O final podia ser melhor
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