Street Fighter 6 – Começo de uma nova era

Dotado de três grandes secções vocacionadas para o single player, a comunidade e o treino da arte da luta, é o mais amplo, sólido e consistente jogo da série, capaz de agradar a principiantes e gerar entusiasmo junto dos veteranos.

Adjacente à popularidade que granjeia Street Fighter praticamente desde a origem, grande parte do sucesso da série que integra a lista dos honrosos “fighting games” explica-se através da consistência. Atravessando fronteiras com Street Fighter II ao ponto dos executivos ocidentais da Capcom, especialmente do braço norte-americano, participarem na produção das sequelas e em muitas decisões relevadas pela comunidade de fãs, o berço é e continua a ser o Japão. Com mais ou menos mudanças e nuances no esquema de combate ao longo da sua história, Street Fighter permaneceu fiel ao selo da luta, dois personagens em aceso combate como gladiadores entregues a uma panóplia de golpes e combinações surreais até um deles sucumbir num KO dramático.

Acessível e desafiante. Admirável e complexo. Ser bom lutador num Street Fighter é sinónimo de uma quase devoção, uma assunção espiritual do caminho de um samurai que se faz com o despojamento do que é acessório e lateral. Só a luta interessa. O treino é fulcral, à base de suor, esforço e progressos apurados numa base temporal alargada. Os “fighting games” podem ser mais acessíveis e tolerantes mas alcançar uma base sólida e um apurado estilo de combate de um punhado de personagens requer uma entrega e esforço que só uma comunidade de fãs e devotos dos torneios pode promover. É por estas comunidades mas também pelas novas audiências que os produtores de “fighting games” japoneses continuam a pensar no que pode ser o futuro destes jogos.

Que mais pode ser feito para atrair jogadores jovens, renovar a confiança dos entusiastas recentes e manter os mais antigos fãs? É um desafio urgente e vital, sobretudo num tempo de tanta oferta e diversidade de jogos, ocupações e “hobbies”. Ao “reboot” de antigas séries e continuação de outras, a Capcom dá mais um passo com a sua série que floresceu nas arcadas, nos torneios e nas consolas, nos já distantes noventas do século passado. Adiantou-se e melhorou com as versões Alpha e Street Fighter 3, antes de reclamar o estatuto de força suprema com Ultra Street Fighter IV. A edição quinta começou por dividir entre algumas ambiguidades e só na fase final equilibrou as peças. Com Street Fighter 6 reina a confiança no começo de uma nova era para os “fighting games”, aberta a novos jogadores mas também aos fãs de semrpe. Mexe com sucesso em pontos vitais e revitaliza outros com a frescura das novas personagens e as novas mecânicas, golpes e modos de jogo.

JP, uma das novas personagens, com um estilo de luta inconfundível.

Street Fighter 6 é muito daquilo que um fã de jogos de luta, e em especial de Street Fighter, pode desejar. Um jogo robusto em opções e modos de jogo, consolidado em combate, com esquema de comandos adaptado aos novos jogadores e na forma clássica para os veteranos. A Capcom quer juntar mais e novos adeptos, reacender neles a centelha de uma boa luta. Se a génese da série se explica pela projecção arcade, na diminuição ao máximo das instruções dadas por troca com experiência adquirida pelo uso de moedas e pelo desafio de outros jogadores, esta edição sexta é pensada para a nova geração de consolas e para toda a espécie de jogadores. As instruções são permanentes, por vezes até algo exageradas na forma como são acompanhadas por demonstrações em tempo real, ao verter ponto por ponto o efeito de cada movimento e ataque. Percebe-se a intenção de não deixar ninguém para trás. A matéria é dada. Os mais experientes podem passar à frente ou simplesmente descobrir os truques e combos em pleno combate.

Um avatar à conquista do mundo

Uma das críticas mais sonantes a Street Fighter V, por ocasião do lançamento, foi a escassez de conteúdos para um jogador. Por muito que os produtores pensem na vertente competitiva em rede ou fora dela, por via local, muitos jogadores querem encontrar nos “fighting games” opções e modos de jogo não circunscritos apenas ao multiplayer. A Capcom ouviu a comunidade e apostou em algo diferente e arrojado para esta sexta incursão de Street Fighter, ao colocar o jogador no centro das personagens, a movimentar-se pelas cidades e espaços dos mestres, a aprender com eles, a evoluir com eles e a fazer uma espécie de mix de poderes e habilidades especiais, em mundos abertos onde a luta está a um toque de distância.

Se as campanhas das personagens reflectem o “story mode” do tradicional arcade, o modo World Tour permite ao jogador a criação do seu próprio avatar, posto num mundo que o levará aos confins do planeta e de encontro às personagens mediáticas de Street Fighter. Com laivos e uma estrutura típica dos jogos de role play, amparada pela acumulação de batalhas que entregam pontos de experiência úteis para subir de nível e defrontar adversários mais poderosos, acresce a obtenção de golpes especiais e as melhores opções de combate fornecidas em certos momentos por esses lutadores.

World Tour é um sólido e coeso bloco de crescimento, ao permitir que uma personagem suba nos rankings e atinja um patamar de evolução ao mais alto nível. O reflexo é patente na dinâmica e numa melhor percepção da evolução do combate. Começa em Metro City, com o mestre Luke a servir de tutor, mas depressa transita para diferentes paragens, onde npc’s podem ser defrontados imediatamente. A personagem moldada a partir de vários critérios e atributos físicos adquire mais habilidades e golpes, num périplo que a leva a mais combates e desafios.

Kimberly é um conjunto de cores em movimento, a irreverência das principiantes.

Como alternativa ao tradicional story mode de cada um dos dezoito lutadores, esta é uma verdadeira campanha na qual é forjado um novo lutador, à imagem ou não do jogador é um critério que cabe a cada um tomar. Homem ou mulher, mais esguio ou corpulento, musculado ou seco, de barbas ou sem pelos no corpo há toda uma base a ser trabalhada. Acresce a roupa, entre calçado e acessórios como luvas e até um boné como definição de uma imagem e um estilo.

Uma vez em posto em combate, a subida de nível garante pontos de habilidade, que podem depois ser trocados pelas habilidades dos mestres. No contacto com estas personagens lendárias, há um reforço de poderes, ao ponto de se criar uma árvore de habilidades e um estilo baseado em golpes diversificados. O ponto de conexão pode atingir um certo ponto no qual essa mesma personagem luta ao lado do avatar.

Na viagem pelo mundo desafiando npc’s a todo o instante, outros lutadores lendários surgem, mas é o avatar a personagem central, numa narrativa que podendo vincar um argumento simplificado e com árvores de diálogo a roçar a banalidade, visa com sucesso a finalidade a que se propõe atingir, a imersão de um novo lutador desenhado de raiz, à imagem do jogador. No melhor é capaz de evocar traços de séries como Final Fight mas aqui o mundo é Street Fighter.

Por outro lado, o nível de desempenho em termos gráficos não põe no mesmo nível o avatar e os lutadores lendários. Parece que a criação e presença dos avatares num mundo 3D se faz mediante algum custo, ainda que a transição para as batalhas seja rápida, num verdadeiro cenário de rua. E no entanto, o avatar está permanentemente ligado, graças ao dispositivo que permite aceder a uma série de funcionalidades, podendo escolher os poderes e habilidades, usar recursos energéticos antes da entrada em combate, viajar entre diferentes pontos e até modificar os comandos, entre modernos ou clássicos.

A herança de fighting ground

A entrada para o universo das personagens Street Fighter 6, em toda a sua dimensão, desde treinos a comandos, apresentação e traços de combate das personagens, prática de combos, desafios 1 vs 1, modo história, entre outros, faz-se pela via fighting ground. Aqui qualquer um dos lutadores pode ser escolhido e usado imediatamente em combate. Os segmentos de aprendizagem são muito completos e do mais vasto que há dentro da série. Detalhes sobre cada um dos movimentos são preciosos, especialmente sobre as novidades de combate. Com todas as regras para principiantes, jogadores intermédios e profissionais, a arte do combate em Street Fighter 6 pode ser difícil de dominar, mas é interessante como a inclusão dos comandos modernos permanece ao lado do tradicional formato de 6 botões para os vários golpes.

Super modelo Manon, leva a beleza aos confins do mundo.

A diferença é que os comandos modernos toram possível a manutenção do pad com três golpes de efeito curto, médio e alto, e um outro para os golpes especiais. Ao mesmo tempo limitam-se as rotações nos analógicos. Torna-se mais fácil e acessível aplicar certos golpes, usando apenas um botão ou um botão e um direccional. Parece batota mas a ideia é que jogadores sem experiência na série ou sem os comandos adaptados a seis botões possam jogar, sem se sentirem pressionados a executar poderosas e difíceis combinações. Aliás, existe um assistente que praticamente promove as combinações. O único custo neste modelo de combate é a redução dos golpes, o que limita a personagem. No entanto é óptimo por mostrar e dar a conhecer a série a quem nunca a tenha jogado.

Os conhecedores da série poderão sempre aceder à opção comandos clássicos, na plenitude dos seis botões, rotações e direcções no manípulo ou analógico do comando. O grau de exigência de aplicação dos combos é maior, mas há um desafio específico para essa vertente. Claro que a maior aprendizagem é feita na prática, com horas e horas a aperfeiçoar uma personagem e a desenvolver os seus movimentos de assinatura. Todas as personagens beneficiam dessa secção, com desafios para principiantes, aqueles que pretendam passar dos controlos modernos para os clássicos, e também para os veteranos.

Mexidas úteis no sistema de combate

Com a barra das super art a garantir ataques devastadores, normalmente a finalizar uma combinação e a levar o adversário ao KO, através de uma sequência cinemática de assinatura à qual não é possível fugir, é através do indicador “Drive” que se abre a porta para várias habilidades, num mix de oportunidades tanto para quem ataca como para quem defende. É talvez o elemento mais estratégico com o qual jogadores mais hábeis poderão reverter um mau momento ou estabelecer uma vantagem no combate. O “Drive Impact” cuja inspiração mais óbvia é o “Focus Attack” de Street Fighter IV, funciona como um golpe desferido antes de um ataque adversário. Consome algumas partes da barra mas abre um flanco passível de exploração com mais combos. O efeito cinemático deste golpe consiste num efeito de propagação de tintas, num “splash” colorido e simbólico do uso de tintas de grafiti, numa explosão bem conseguida.

Marisa persegue a glória dos clássicos lutadores gregos.

O “Drive Impact” é fácil de executar, já o timming do “Drive Parry” aplicado no momento em que o adversário ataca obedece a uma janela de execução curta, de poucos frames. Mas tal como os jogadores aprenderam a fazer “parry” anteriormente na série, aqui não é diferente, porventura numa janela de execução algo generosa. O “Overdrive” custa duas unidades da barra e projecta um movimento especial, através de um efeito dourado dado à personagem durante o movimento. Restam o “Drive Rush” e o “Drive Reversal”. Este transforma um bloqueio num contra-ataque capaz de causar um pequeno dano no adversário e abrir uma brecha quando a personagem está encurralada. O “Drive Rush” pode sair de um ataque normal cancelado ou executado a partir de um “Drive Parry”. As soluções são imensas e assumem diferentes importâncias no contexto da batalha, podendo anteceder uma habilidade através da barra “Super Art”. No entanto, o consumo desta barra pode levar a personagem à exaustão, ao chamado “Burnout”, totalmente vulnerável perante o adversário enquanto a energia não for recuperada.

Os três níveis da barra “Super Arts” estão ligados aos movimentos especiais das personagens, com três níveis de dano, sendo o mais elevado o “Critical Art” para um efeito devastador e um efeito cinematográfico prolongado. As condições para estes golpes são específicas, resultando da evolução da batalha e das oportunidades para concluir uma combinação com um ataque devastador, capaz de retirar toda a vida do adversário. No fundo as hipóteses estratégicas saem reforçadas com esta amplitude de poderes especiais. Ao mesmo tempo foram desenvolvidos novos golpes e movimentos para as personagens.

Os efeitos de alguns ataques também foram alterados. O “roster” de 18 personagens é maioritário nos lutadores lendários que renovam a presença, entre os quais se destacam Ryu, Ken, Guile, Cammy, Chun-Li e Juri, com a manutenção dos seus estilos de combate. As seis novas personagens conferem frescura aos estilos de combate dominantes, penetrando nalguns segmentos já existentes ao formarem mais uma opção e movimentos diferenciados para um maior leque de escolha. É verdade que noutras edições de Street Fighter o “roster” de lutadores é bem maior. Quase uma vintena para começar, contando com seis novas, está longe de ser desagradável. JP, Lily, Marisa, Manon, Kimberly e Jamie injectam bastante variedade e frescura de movimentos, nos seus estilos de combate bem vincados.

Battle Hub como grande antro da comunidade online

Os fighting games dependem muito da forma como as suas comunidades permanecem activas. Não apenas nos torneios locais, regionais e locais. Há muitas formas de cultivar uma comunidade e no caso do online a Capcom não se descuidou ao construir o “Battle Hub” como grande centro de reunião e desafio das comunidades provenientes dos diversos continentes. Representado sob a forma de um espaço virtual, uma espécie de grande arena evocativa dos salões de jogos, num toque de modernidade das arcadas, é o espaço no qual o avatar criado pelo jogador se movimenta e escolhe defrontar adversários, participar em torneios e entrar nalgumas experiências como clássicos arcade da Capcom e uma secção dedicada à aquisição de indumentárias. Para lá das batalhas normais é possível participar nas “extreme battles”, um modo especial e diferenciador graças ao recurso a regras específicas e alguns acessórios.

Avatar em pleno mundo 3D.

Ao tempo da elaboração da análise não é possível contar com os servidores com o mesmo nível de adesão que aconteceu recentemente por ocasião da beta online, acessível aos utilizadores de Steam, PlayStation e Xbox. Nessa ocasião o teste foi bastante positivo e muitos dos encontros online decorreram de forma estável. Com o espaço cheio observam-se os múltiplos avatares que podem optar por defrontar-se entre si, numa arcade, ou simplesmente observar o jogo de algum rival. As opções são significativas, desde desafios casuais ou a contar para o ranking, passando pelos torneios, todas as estatísticas são guardadas e revelam a progressão. É possível escolher um servidor e participar em combates com lutadores provenientes de outras zonas do planeta.

A adição de comentadores, passíveis de activação ou não, resulta numa aproximação ao que acontece nos torneios de expressão online ou local, através de comentários que adensam o impacto dos golpes e descrevem com rapidez e assertividade as diversas fases da batalha, quando alguns golpes ou combinações são executados. A Capcom inscreveu aqui alguma variedade, recorrendo aos préstimos de alguns nomes maiores da comunidade como Jeremy “Vicious” Lopez e Tasty Steve. Com comentadores também em japonês a utilidade destes comentadores é relevante junto dos novos jogadores, introduzidos a uma série de conceitos e expressões que ajudam a entender melhor o jogo.

Battle-Hub para os desafios online.

Do ponto de vista da produção visual, fazendo uso do mesmo motor gráfico que deu vida ao recente Resident Evil 4 Remake, Street Fighter 6 é claramente um jogo com uma imagem reforçada, sobretudo face ao antecessor, ao mostrar novas animações e detalhes nas personagens. Agora os lutadores vão ficando com sinais dos golpes e com a indumentária mais rasgada e solta no decurso da batalha. O desenho das personagens também é um pouco diferente do anterior. Mantendo embora um aspecto central semelhante, há nuances que resultam bem, com um aspecto mais maduro nos lutadores lendários e um traço convincente nos novos lutadores Em termos de cenários existe uma reformulação por completo, com áreas mais recônditas, mais próximas da cultura pop “underground” e um pouco menos Street Fighter. Em termos de efeitos visuais destaque para a luminosidade e o aparecimento de lutadores em fundo, como assistentes.

Para ver este conteúdo, por favor ativa as targeting cookies.

Esta é uma das melhores senão a mais importante entrada na série desde Ultra Street Fighter 4. A presente edição não revoluciona as mecânicas nem muda o combate no que é fundamental. No seu núcleo ainda é um Street Fighter de caras mas bem mais apto a gerar interesse junto de novos jogadores, graças às mecânicas simplificadas por via dos comandos modernos, enquanto opcional. Com a introdução do World Tour desenvolve uma nova campanha single player, assente em elementos de role play, num molde de aventura e desenvolvimento do avatar do jogador capaz de reflectir os progressos junto dos mestres. Também uma forma de se aproximar das novas gerações.

Mas ao mesmo tempo introduz com o sistema Drive uma série de nuances e mecânicas que incrementam a estratégia dentro do sistema clássico, que tanto dirá aos veteranos. Reforçado na componente online e mais formador, é o Street Fighter mais amigável e simultaneamente desafiante. Injecta sangue novo num sistema de combate inovador, refrescante e ao mesmo tempo dotado das subtilezas que tornam exigente o domínio de um “fighting game”.

Prós: Contras:
  • Périplo World Tour para um jogador
  • Estratégia do sistema Drive
  • Direcção artística
  • Comandos modernos como alternativa
  • Formativo no fighting ground
  • Novos cenários
  • Degradação dos lutadores ao longo do combate
  • Battle Hub como arena
  • Musicalidade
  • Reforço dos visuais
  • Oscilações na apresentação do mundo 3D
  • Podia contar com mais lutadores
Share