Bravely Default II – Análise – Os quatro heróis da luz

Depois de Super Mario 3D World + Bowser’s Fury proporcionar desafiantes e acrobáticos movimentos e carambolas em 3D, com uma personagem que dispensa introduções, está prestes a chegar à Nintendo Switch mais uma série que seguramente perdura ainda na memória dos adeptos de jogos de role play japoneses. Bravely Default surgiu em 2012 para a Nintendo 3DS, pela mão da Square Enix, uma editora especialista nos jogos de role play por turnos. Bebendo clara inspiração em Final Fantasy: The 4 Heroes of Light (em Bravely Default também temos quatro personagens que embarcam numa aventura), até por contar com muito do seu staff na produção (o produtor, Tomoya Asano, é o mesmo), Bravely Default destacou-se ao recuperar a tradição de uma faceta dos jogos de role play japoneses clássicos, com aspectos inovadores no sistema de combate por turnos.

Três anos depois, a Square Enix editou a sequela Bravely Second: End Layer, expandindo mecânicas e o design do original, ao mesmo tempo que proporcionou a continuação e o desfecho da narrativa, daquele mundo que o primeiro jogo tinha deixado em aberto. Editado na mesma 3DS, End Layer foi como que um fecho ou fim de ciclo. Contudo, a Square Enix e a Nintendo entenderam que havia margem de progressão quando analisaram a Switch, uma consola capaz de melhorar a experiência de um novo Bravely Default, com um novo mundo, novas personagens e uma revisão da sua estrutura, na tentativa de conseguir um jogo mais envolvente e solícito às pretensões dos fãs. Eis-nos assim perante um novo recomeço da série, pela primeira vez a poder correr numa televisão.

Sendo o terceiro jogo da série, a Square Enix não espera mais do que revitalizar o género de fantasia em formato role play, que tão embrenhado está no seu adn, e em garantir mais uma opção de qualidade, apostando em elementos clássicos dos jogos de combates por turnos das épocas 8 a 32 bit, em particular o sistema de batalha estratégico, assim como o sistema versátil de jobs (profissões). Depois da evolução de Final Fantasy, Bravely Default, assim como Octopath Traveller, são segmentos não só do mesmo estúdio mas em separado, aptos a entregar aos fãs um tipo de experiência menos comum com os tempos recentes, compatível com jogos mais antigos e ao mesmo tempo capaz de estabelecer uma base diferenciada e aprazível. A demonstração disponibilizada no começo deste ano abriu as portas às novas gerações, dá-lhes a conhecer as particularidades de um género que continua a gravitar, eles que talvez menos cientes das incursões nas masmorras e deambulações em mundo aberto travando batalhas a cada instante até ao confronto derradeiro, talvez desconheçam a dificuldade com que éramos brindados nos jogos antigos, e que não é excepção neste jogo.

1As cidades e reinos por onde vão passar são deslumbrantes.

O “reset” de Bravely Default II

Começando por evidenciar desde o começo um cuidado muito grande na construção dos reinos, exalando fantasia em todos os cenários, especialmente nas cidades, de um impacto majestoso e idílico, quase em tom de aguarela na dimensão do medieval, onde resgatámos grande parte do tempo procurando resolver os problemas das personagens e dos npc’s que amiudadas vezes encontramos no caminho, abre-se todo um novo continente, um mundo de reinos, povos e tribos que haveremos de conhecer à distância de uma viagem em moldes épicos, cruzada por investidas fabulosas contra inimigos de diferente índole.

Há que reparar em todo o trabalho artístico, dentro das cidades e em pleno mundo aberto. Parecem pequenos grandes espaços, que se percorrem como se uma pintura ou aguarela pudesse ganhar vida e profundidade. Exploramos os quartos de uma estalagem, subimos às escadas de um castelo e encontramos o seu monarca no trono, os sentinelas e uma vida em rebuliço quando há sinais de instabilidade e de mais uma preparação para avanço. O desenho das personagens é mais uma vez precioso. Do tipo chibi mas particularmente detalhadas, com indumentárias compatíveis com o tipo de profissão desempenhada.

Há esmero na criação de locais mágicos que se tornam aprazíveis e aos quais acabamos por voltar com grande regularidade, seja uma pousada ou um ferreiro, ou até na aquisição de objectos imprescindíveis à demanda. É agradável visitar os limites das cidades e descobrir os diferentes enquadramentos, tudo pormenores visuais deliciosos, ainda que as nossas personagens por vezes se reduzam a pequenos pontos em movimentos. Do ponto de vista visual e artístico, Bravely Default II oferece momentos de grande brilhantismo, especialmente nas cidades, contrastando no entanto, com algumas masmorras, de construção mais simples e obscuras ao ponto de perdurarem e se arrastarem numa exploração inevitável de encontro à câmara na qual acontece mais uma Boss fight. A exploração em mundo aberto também não é tão estimulante do ponto de vista artístico, oferecendo uma perspectiva mais genérica, onde importa sobretudo atender aos trilhos e caminhos para se chegar aos objectivos. Com uma nuance, desta vez, que é a visibilidade dos inimigos. Se formos surpreendidos, assim que transitamos para o combate os adversários atacam primeiro, mas se os surpreendermos temos vantagem, desferindo o primeiro golpe.

2São curtos os loadings para as batalhas, com boas animações e todos os detalhes relevantes sobre as ferramentas a dar uso.

Os quatro heróis da luz na aventura das suas vidas

Com uma narrativa nova e personagens estreantes, se não jogaram algum dos títulos passados, não há razão para ficarem preocupados, apesar da sensibilidade ao jogo ser praticamente a mesma. No entanto, neste “reset” ao arco narrativo, a nossa parelha de quatro heróis ganha formação quando o nosso herói Seth, ao acordar depois de dar com vida à costa no seguimento de um naufrágio, se junta a Glória, princesa do reino de Musa, Elvis e Adelle. Todos lutam por objectivos individuais, seja a recuperação dos famosos Asteriks que garantem mais e importantes jobs, seja a recuperação dos quatro cristais e com isso o restauro da ordem no continente Excillant.

Há entre as personagens uma imediata empatia e depressa se estabelece um convívio constante, através de sequências animadas e diálogos. Neste ponto Bravely Default II contempla similitudes com os clássicos, proporcionando diálogos por vezes longos e muito daquele “chit-chat” que poderá não ser do agrado de todos. As sequências podem ser passadas adiante mas nesse caso perderão noção da história, com excepção para os diálogos secundários, que as personagens podem manter nas masmorras, por exemplo. A ocidentalização do jogo é assinalável, com um voice-acting bastante convincente, se bem que os diferentes sotaques em inglês possam causar alguma impressão. Com as vozes em japonês à distancia de um botão de selecção, não há como não seleccionar.

No sistema de batalhas por turnos, o ponto realmente divergente, deste para os jogos clássicos, assenta na faculdade de exercer duas opções; default ou brave. Ao activar a opção default, o jogador defende-se naquele turno e acumula um ponto brave, que significa que no turno seguinte, ou na resposta a um ataque do adversário, poderá realizar duas acções consecutivas. Em alternativa, poderá consumir um brave point (até um máximo de quatro no turno), que significa maior disponibilidade para ataques consecutivos mas que deixará a personagem que os consome numa situação de vulnerabilidade para os quatro turnos seguintes. É um factor de grande variabilidade de acções e profundamente estratégico.

3Óptimo trabalho de localização, mas é preferível jogar com as vozes em japonês.

Caldeirada no sistema de profissões

Diria que nisto não há grandes divergências no que toca aos dois jogos anteriores, que assentam num modelo semelhante, e sobretudo similar ao primeiro, mas é realmente este o toque distintivo de Bravely Default, que acaba por distingui-lo de outras séries. Há um factor, no entanto, a ter em conta, que é a extrema dificuldade das “boss fights”. Se nas batalhas random quase sempre podem vencer os adversários sem usar estas ferramentas, se quiserem vencer os adversários mais temerosos terão inevitavelmente que gerir bem as opções brave e default. Nos momentos cruciais da batalha, quando é atingido um limite de ataques, aquelas personagens que dispõem dos asteriscos podem activar um golpe especial (amplificado por um incremento da banda sonora), que opera uma espécie de cartada derradeira. De resto as batalhas são de uma forte componente estratégica e sairmos delas como vencedores depende da avaliação que façamos do adversário, antecipando possíveis ataques e respostas.

Apesar de algum aparente equilíbrio inicial, assim que avançamos pelas masmorras e entramos em profundidade na aventura, encontramos adversários especialmente poderosos. Nalgumas batalhas saímos até com indicação de que apesar da vitória estamos com níveis de progressão abaixo do recomendado. Infelizmente, chegarão ao momento em que o jogo como que vos força a efectuar “grind”, uma técnica que era usual nalguns jogos mais antigos por forma a fazer render o peixe, mas que em tempos mais recentes perdeu preponderância por soar a batota. Bravely Default II injecta algum desse pecado, o que significa que terão que perder algumas horas em combates casuais até subirem a experiência das personagens. Claro que não é tempo tão agradável porque não estão a progredir na aventura mas tão só a subir os níveis de experiência e a desbloquear as melhores habilidades e magias para poderem defrontar os adversários mais poderosos num plano de igualdade.

4O sistema de profissões contempla grandes opções ao nível das habilidades, podendo juntar uma classe secundária, o que alarga o leque de habilidades.

Consoante o tipo de actividades seleccionadas (os jobs alargados por via dos asterisks), poderão usar golpes especiais e habilidades de diferente natureza, conjugando até uma série de golpes de acordo com a actividade principal e secundária (na secundária nunca sobem de nível, só com a primeira). Estas actividades (jobs ou classes), não estão inicialmente disponíveis. Terão que encontrar no continente múltiplos asterisks. Mais adiante vão encontrar classes poderosas, com habilidades devastadoras, mas lá está, para as alcançarem terão que forçar o grind, pois essas pedras preciosas encontram-se em territórios onde as habilidades iniciais, ainda pouco desenvolvidas, não permitem vencer os adversários e avançar no terreno. Não obstante a penosidade da caminhada nalguns momentos, há interesse e satisfação na realização destes objectivos, apesar disso. Nalguns aspectos, Bravely Default II consegue operar bem na dimensão estratégica dos combates, ainda que transporte consigo aquele pendor inflexível dos clássicos.

Já a pensar nisso, os produtores introduziram dois níveis de dificuldade. O casual é o mais baixo e praticamente retira o desafio ao ponto de permitir seguir em linha recta sem grandes problemas até ao fim da aventura, enquanto que o modo hard reforça a dificuldade, numa recomendação para aqueles que gostam completar os jogos na máxima dificuldade. Contudo, o recomendado é que desfrutem do jogo na opção normal. Não evitará alguns desconfortos e passagens mais atribuladas ao longo da campanha, mas Bravely Default II traz consigo outras vantagens, em especial as mecânicas de combates por turnos e toda a componente de role play que deixará os fãs de jrpg’s satisfeitos. No presente, não há tantos jogos assim como aconteceu noutros tempos, e ainda que haja outras opções, esta é uma delas a ter em conta.

Prós: Contras:
  • Novo mundo com novas personagens
  • Componente estratégica brave e default
  • Cidades deslumbrantes eivadas de fantasia medieval
  • Caracterização das personagens
  • Bestiário diversificado produz batalhas intensas
  • Muitas profissões para obter
  • Boas animações e loadings curtos
  • O grind entediante nas masmorras
  • Alguns diálogos ultrapassáveis
Share