The Medium review – Mundos paralelos

Sempre que chega às minhas mãos um trabalho como este, fico com a esperança de que uma nova abordagem ao universo de Silent Hill se torne realidade no futuro. Apesar de nos últimos anos várias incursões pelo terror psicológico terem gerado bons descendentes, é o caso de Amnesia e até o fenomenal Outlast, não há como fugir a essa esperança de um dia voltarmos àquele mundo que nos é tão querido. A exigência é elevada, e obviamente que os padrões atuais são muito diferentes e mais exigentes, elevando a complexidade de atingir qualidade nas inúmeras tentativas das diversas produtoras.

A Bloober Team já conhecida pelos seus trabalhos puramente dedicados ao terror psicológico, dando continuidade a projeções permanentes e sempre em busca de novas formas de nos surpreender. The Medium é a sua mais recente aposta, e com ela tenta revigorar fórmulas clássicas de terror psicológico. De facto, é notória uma certa inspiração no título da Konami, Silent Hill, tanto a nível artístico como sonoro, onde até vai buscar um dos compositores para a banda sonora, Akira Yamaoka. A versão aqui analisada é a do PC, mas também será lançado na Xbox Series X/S.

O desenvolvimento de uma narrativa psicológica permanece subordinada a fatores que dão sustentação à sua evolução, e a linha aqui é muito simples e sem que isso seja contraproducente. O jogo não está vinculado a um formato miraculoso de argumento, apenas a sua execução ditará o desenvolvimento para algo de substancial interesse e de qualidade ampliada. A produtora segue um padrão normativo habitual e que não foge ao que está tradicionalmente concebido e enraizado, apenas confere uma abordagem esforçada em transformar e dar algum trilho diferente.

Temos ao mesmo tempo um debruçar pautado por uma fiel delineação de como é construído um jogo de terror com tons clássicos, solicita por outro percurso uma nova expressão na sua conceção final, adiciona um traço pessoal através de uma jogabilidade necessariamente adaptada à fórmula de universos paralelos que funcionam em simultâneo. A jogabilidade é afetada em muitos dos momentos e claro, temos uma adaptação do que é conseguido em cada um. Esse é o ponto que lhe confere uma identidade própria, com uma audaz tentativa de recriar e traçar novas linhas dentro do género.

“confia apenas na criação de uma atmosfera, seja através de arte visual ou sonora, com um semblante perturbador, obscuro e desgostoso”

The Medium é deliberadamente orientado para a história, debruçado de forma muito focada em contar uma narrativa que coloca de lado algumas das particularidades de um título de terror. Não aposta em jump scares, confia apenas na criação de uma atmosfera, seja através de arte visual ou sonora, com um semblante perturbador, obscuro e desgostoso, condizendo em pleno com o traço seguido de início ao fim. Esta orientação é muito bem executada em Observer: System Redux, que analisei, mas aqui a fórmula não consegue o mesmo efeito. Não pela história em si, mas sim pela execução da mesma em termos de proposta como videojogo.

Estamos no final dos 90 na Polónia, assumimos o papel de Marianne, uma jovem médium capaz de sentir e ouvir mais que uma pessoa comum, com a capacidade psíquica de ver e explorar o mundo espiritual. Tudo se inicia com a morte de uma criança, e uma chamada anónima que a vai levar até ao Hotel Niwa. É aí que se irá desenrolar toda esta viagem, a um mundo espiritual perturbador, pelo menos tenta-o ser. Marianne tem a capacidade de viajar entre mundos, tanto através de espelhos como por vezes apenas porque o jogo assim o quer, algo que me fez confusão, já que os espelhos passam a não ser os únicos para esse mesmo efeito. Um pouco confuso.

“peca muito por uma problemática adicionada pelo facto de apenas se ter metade do ecrã disponível, dificultando muito a visibilidade”

Toda a jogabilidade está assente na transição entre mundos paralelos, entre o normal e o espiritual. Numa primeira experiência, essa passagem é concebida para se observar os dois ao mesmo tempo, com o ecrã dividido em dois, seja vertical ou horizontalmente, e determinadas rotas estão apenas disponíveis num deles, sendo a resolução de puzzles a única forma de se conseguir avançar nos dois ao mesmo tempo. É uma fórmula interessante, mas que peca muito por uma problemática adicionada pelo facto de apenas se ter metade do ecrã disponível, dificultando muito a visibilidade, para não falar da diminuição a qualidade gráfica, que é bem evidente. Para além da possibilidade de evoluirmos ao mesmo tempo nas duas realidades, há momentos que somos transportados por completo para a variante alternativa.

A Bloober Team optou por cenários muitas vezes parcialmente estáticos, onde nos deslocamos numa perspetiva de terceira pessoa com câmara semi-estática. É uma abordagem que me fez alguma confusão, muito pela problemática em identificar se determinadas zonas são possíveis de transpor. Acredito que tenha sido uma decisão difícil, e na minha ótica não auxilia muito na criação de uma atmosfera perturbante. Ao longo de todo o percurso dei por mim a pensar, e se fosse jogado como em Observer? Seria um jogo muito mais imersivo e capaz de nos transportar para o seu íntimo. Mas nem creio que seja esse o problema mais evidente em The Medium. Tudo seria distinto se o que foi idealizado tivesse repercussões empolgantes em toda a atmosfera. A captura de movimentos também demonstra lacunas com a movimentação estranha do personagem e torna-se muito evidente durante as cinemáticas.

the-medium-review-analiseDupla realidade, uma das imagens que destacam The Medium.

As mecânicas existentes são muito primárias, e não é conseguida uma atmosfera verdadeiramente aterradora. Apenas me assustei uma única vez durante as 9 horas que o demorei a completar, é muito pouco mesmo. Até me assusto com relativa facilidade, e gosto disso num jogo. Recordo-me de jogar Dead Space e ter de fazer pausas para me recompor de toda a atmosfera e sustos que ia apanhando. Em The Medium isso não acontece, deambulamos pelos cenários a resolver puzzles que são relativamente fáceis, para assim podermos avançar e claro, vamos descobrindo mais sobre o que se passa, mas sem nenhum outro desafio. Não existe combate, não existem mecânicas capazes de nos fazer esforçar ao máximo, e as que há, são muito básicas e por vezes desfasadas de todo o contexto.

A troca entre realidades é interessante. A possibilidade de muitas vezes termos de descobrir numa delas a forma como avançar na outra dá aqueles pontos extra que mantém o jogo interessante, mas isso é muito pouco. The Medium é apenas um título onde deambulamos pelos cenários a resolver quebra-cabeças, que termina por fracassar na jogabilidade pouco profunda e parca em desafios, tornando esta experiência num lamentável aborrecimento. Salva-se pela história contada de uma forma que gera interesse suficiente, uma bela arte visual alcançada através do Unreal Engine 4, e com uma sonoridade interessante. Mas fica-se por aí, aqui não há nada acima da média, tristemente.

Sinto-me triste pela conclusão. The Medium não consegue atingir o nível que deveria, muito pela falta de qualidade da execução de uma ideia tão interessante e que colocaria uma impressão pessoal ao género. Existe uma tremenda problemática na jogabilidade e na sua própria evolução, sustentada num ambiente idealizado que nunca consegue produzir. Não possui sentimento de angústia ou desconforto emocional, e uma falta de profundidade sinistra deveras evidente. Depois do excelente regresso de Observer: System Redux, a Bloober Team não consegue despertar sentimentos aos quais se propôs.

Prós: Contras:
  • Visualmente interessante
  • Sonoridade adequada
  • História mantém-nos ligados até ao final
  • Terror psicológico não alcançado
  • Jogabilidade com muitos problemas de câmara
  • Aborrecido
  • Ausência de um verdadeiro desafio
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