Cyberpunk 2077 Review – Finalmente chegamos a Night City

Cyberpunk 2077, sim Cyberpunk 2077 chega finalmente após 8 anos de espera. Não me recordo de uma demora tão agoniante por um videojogo, com tamanha dimensão temporal em desenvolvimento, envolto em avanços e recuos que desesperou todos os que por ele aguardavam, fãs fiéis do trabalho da CD Projekt RED, que nos brindou em 2015 com o deveras aclamado The Witcher 3: Wild Hunt, que eu próprio analisei. É um enorme fardo colocado em cima da produtora, que pediu a todos que acreditassem no seu trabalho, pedindo desculpa diversas vezes pelos vários adiamentos que o jogo teve ao longo deste ano, muito devido à pandemia causada pelo COVID-19.

Chega assim até nós Cyberpunk 2077, um trabalho árduo de quase uma década que para alguns é já sinónimo de sucesso garantido. Muito já se viu ao longo deste tempo todo, desde apresentações gameplay, trailers espectaculares, culminando com a revelação surpreendente na E3 de 2019 durante a conferência da Xbox, que Keanu Reeves iria fazer parte integrante dos personagens presentes no jogo, levando ao rubro a audiência lá presente. Pessoalmente não gostaria de estar no lugar da CD Projekt RED, já que a crítica especializada, digo eu, quem vai jogar Cyberpunk 2077, os jogadores, sim vocês são os verdadeiros jurados, podem ser bem cruéis, e se o resultado não corresponder ao esperado serão completamente implacáveis, nada é perdoado.

Mas o que é realmente Cyberpunk? Não fosse o jogo buscar para si esta denominação, adicionando 2077, poucos saberiam que é uma cultura com décadas de existência, já muito abordada em filmes, muitos deles conhecidos, como Blade Runner, Ghost In The Shell, Minority Report, e um mais recente que gosto particularmente, Alita: Battle Angel. É uma visão futurista do mundo, com colossais avanços tecnológicos, mas ao mesmo tempo contrapõe-se com a existência de uma sociedade extremada, de um do lado uns muito abastados em contraste com o resto da sociedade que vive na penúria.

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Objecto fundamental em toda a cultura Cyberpunk, é a evolução da tecnologia ao ponto de já não existir uma diferenciação entre a realidade e o mundo virtual. Há uma avalanche tecnológica em que praticamente todos possuem implantes cibernéticos e upgrades físicos, havendo também um prolongar da vida, com substituição de órgãos, membros e até consciências. É essencialmente uma visão futurista que se pauta por uma deformação de um mundo ideal, um caminhar sombrio da sociedade em que o avanço da ciência tem uma expressão obscura sobre o mundo que retrata.

Cyberpunk 2077 é uma abordagem arrojada por parte da CD Projekt RED a essa cultura, abordando-a de uma forma clássica, retratando um mundo extraordinariamente avançado, mas ao mesmo tempo com uma disparidade colossal entre classes sociais. O cenário é uma das últimas megacidades, Night City, onde tudo acontece. É uma cidade que nunca dorme, há sempre algo a acontecer e para onde se ir. Dividida por facções que controlam determinadas zonas, lutam entre si pela supremacia territorial. É neste fervilhar que tudo vai acontecer. Night City é como um vulcão em erupção, tudo é possível numa dimensão fabulosa recriada à medida para esta viagem alucinante por um mundo ciberneticamente arrojado que nos devora e nos faz pensar que estamos realmente a viver nessa era.

“O cenário é uma das últimas megacidades, Night City, onde tudo acontece”

Somos introduzidos neste labirinto tecnológico, nesta megacidade, de uma forma muito simplista e com uma pequenez que nos faz realmente sentir ínfimos perante esta sociedade colossal. Escolhemos uma das três linhas disponíveis, que são a determinação das nossas origens, com um background próprio, que irá influenciar até um determinado ponto o desenrolar do jogo, seja em diálogos e interacções com os outros personagens. Logo no início temos a noção que estamos perante um título de enorme dimensão. As possibilidades de personalização do nosso avatar são imensas, com inúmeros parâmetros visuais e físicos. Também podemos repartir atributos às nossas capacidades, distribuindo-as como desejarmos, dependendo sempre da forma como iremos abordar o que virá. Mas se não querem perder muito tempo, há personagens já pré configuradas. Devo-vos dizer que não é muito importante a distribuição inicial dos pontos nos nossos Atributos, pois iremos ter muito tempo para adaptar o personagem à forma como queremos abordar a nossa jornada em Cyberpunk 2077.

Vestimos a pele de V, e aqui não existem géneros, como vão constatar ao criar o vosso personagem. Tudo se inicia de forma tão corriqueira que chega a diminuir as expectativas. Não sei se foi pelo entusiasmo com que entrei, mas senti um pouco a falta de uma introdução mais profunda e arrebatadora a este culto tecnológico. Será que peço demasiado? Não acho, a expectativa foi criada pela própria CD Projekt RED, e entrar desta forma tão arrefecida causou uma sensação de expectativa defraudada. A nossa entrada em Night City é pela porta pequena, com apenas o nosso instinto de sobrevivência. Temos um aliado inicial, Jackie Welles, que já foi apresentado pela CD Projekt em imensos vídeos. É um dos pontos que não gosto nos vídeos e trailers antes de um jogo sair, são demasiado reveladores, mesmo a presença de Keanu Reeves foi um grande spoiler, já que revelaram num trailer gameplay qual a sua verdadeira influência em toda a trama do jogo.

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Chegados a Night City, é aqui que realmente tudo acontece. Como referi, lutamos pela nossa sobrevivência, efectuando pequenos trabalhos, inicialmente sempre com Jackie Welles. É num desses trabalhos que se dá uma reviravolta na narrativa, em que passamos a ter a presença de Johnny Silverhand (Keanu Reeves), e tudo se altera, dando origem a uma viagem vertiginosa pela megacidade à procura da salvação. Esta é a linha narrativa de Cyberpunk 2077, uma luta alucinante pela sobrevivência individual. Devo referir que se inicialmente existe uma certa defraudação de expectativas, esta reviravolta é essencial para uma enorme melhoria dessa linha de desenvolvimento narrativo. Senti um alívio quando chegou esse momento, pois o receio de fracasso de toda a história estava a tomar conta de mim. É um conto bem conseguido, com momentos altos que nos deixam a pensar no que aqui estamos a fazer neste mundo, e com as várias possibilidades de finalizar o jogo através das escolhas que vamos fazendo, ainda tornam essa sensação mais recompensadora.

Night City é uma cidade deslumbrante, que dá vontade de explorar cada recanto, com uma vida que dura 24h sobre 24h, e nunca nos sentimos fartos pois há sempre algo a acontecer, sejam crimes aleatórios em que podemos intervir, missões secundárias que nos vão dar mais dinheiro e recompensas, e também descobrir mais linhas de progressão paralelas à história principal. É no visual que a CD Projekt RED se esmerou, apesar de tantos anos em desenvolvimento não se sente que o motor de jogo esteja datado a nível de grafismo, com fantástica recriação desta megacidade e seus enormes edifícios espelhados, um ar futurista de cortar a respiração. Tudo transpira a um futuro longínquo recheado de tecnologia, desde veículos voadores, carros e motas com design arrojado, pessoas com apetrechos futuristas, máquinas espalhadas por toda a cidade, uma vida que borbulha numa sublime intensidade visual. É um festival ímpar de arte colorida.

“Não tem comparação possível, os efeitos permitidos pelo ray tracing, desde a iluminação, as sombras, e os reflexos, fazem de Night City uma verdadeira cidade do futuro”

Joguei Cyberpunk 2077 no PC com uma RTX 3080 da Nvidia. O impacto visual alcançado com o ray tracing é de uma qualidade que merece uma paragrafo só para si. Não tem comparação possível, os efeitos permitidos pelo ray tracing, desde a iluminação, as sombras, e os reflexos, fazem de Night City uma verdadeira cidade do futuro, e não é a mesma coisa jogar sem esses efeitos visuais. Não há como explicar, só vendo para acreditar. E se aliarmos a isso o HDR, então aí é que se fica completamente rendido ao visual conseguido através dessa perfeita combinação visual. Claro que o ray tracing tem um enorme custo em performance, e não fosse a tecnologia DLSS da Nvidia, seria injogável, pois a queda em performance é colossal. Mas quem tiver uma placa gráfica da série RTX da Nvidia vai ficar noutro patamar, já que o ray tracing apenas será adicionado mais tarde para o hardware da AMD.

CD_Projekt_RED_2Modo fotografia permite momentos como este.

“São realmente colossais as hipóteses disponibilizadas na personalização”

Tudo o que é feito em Night City vai ajudar à evolução do nosso personagem. Esta é baseada em atributos que vamos adquirindo em tudo o que executamos. Praticamente tudo nos atribui experiência em pontos ligados a essa mesma actividade. A experiência ganha é depois aplicada nos Atributos e nos Perks disponíveis em cada Atributo. É aqui que começa a complexidade, ou melhor, a imensidão de personalização do personagem. Podemos de facto moldar tudo a nosso gosto, investir mais na força bruta, ou então optarmos por um lado mais inteligente, e quem sabe um misto de tudo. Depende sempre de nós, e se querem dedicar o vosso tempo em desenvolver todas as possibilidades aqui disponíveis, que irá demorar dezenas ou centenas de horas de jogo. São realmente colossais as hipóteses disponibilizadas na personalização, até me perdi um pouco na linha de desenvolvimento que estava a seguir, pois queria sempre experimentar aquele Perk que estava associado a um Atributo que não estava a desenvolver, e dava por mim a abandonar o caminho que estava a seguir. Mas não entendam isso como algo negativo, mas sim a capacidade que o jogo tem em te aliciar com capacidades que queres experimentar.

O sistema de evolução dos atributos é o cerne de um todo completamente interligado. É esta a complexidade de Cyberpunk 2077, a simbiose entre o desenvolvimento e as possibilidades que isso atribui. O sistema de Crafting é influenciado por esse ponto, e este é também ele muito expandido. Podemos criar as nossas próprias armas, vestimentas, itens, consumíveis, e claro fazer upgrades múltiplos a uma imensa variedade de artigos. Outro ponto fundamental é o denominado Cyberware. Este é uma espécie de conjunto de todos os nossos implantes, que nos atribuem ainda mais capacidades, desde físicas e cibernéticas. Não é fácil atingir um bom equilíbrio e seguir uma construção bem estruturada do personagem, temos de gastar imenso tempo a visualizar bem o que temos instalado, tanto nos implantes como nas armas com os seus respectivos mods. Para além do sistema de nível normal que vamos subindo, existe outro paralelo relacionado com a nossa fama dentro da cidade e em relação aos gangues que a controlam, dando-nos acesso a novos contactos e a mais missões.

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No fim o que realmente importa é se as escolhas feitas são visualizadas, se são realmente perceptíveis durante o jogo e os combates. Não é fácil e nem muito óbvia essa percepção, pois senti alguma dificuldade em identificar com grande intensidade se realmente estão a surtir efeito as escolhas feitas. Uma que é bem visível é relacionada com a nossa capacidade de hackear os sistemas; desde câmaras, computadores, e até os chips cerebrais dos inimigos, pois essas permitem ou não efectuar determinada acção. Se não a conseguimos fazer é porque não a temos desenvolvida ou bem configurada. Em relação a uma linha de configuração mais virada para uma abordagem mais agressiva em termos de combate com armas de fogo, essa não senti muito, não sei foi por ter jogado na dificuldade de jogo normal, que não vos recomendo fazer, o jogo é demasiado fácil nesse nível e dificuldade.

“as missões não são muito bem conseguidas, havendo apenas e só no máximo três dignas de um jogo com esta amplitude”

Esta é a teia de aranha tecida para Cyberpunk 2077, uma base sólida de narrativa, com uma visão fenomenal da sociedade retratada, e um trabalho visual arrebatador. Mas o que realmente fazemos em termos de gameplay? Estamos perante o que se denomina de Mundo Aberto, recria uma sociedade em constante evolução, e claro, é jogado na perspectiva de primeira pessoa, com apenas a possibilidade de passagem para outra visão quando conduzimos veículos. É no gameplay que as coisas descem de nível, essa é uma das partes que mais desconforto me causou. Lamento informar que as missões não são muito bem conseguidas, havendo apenas e só no máximo três dignas de um jogo com esta amplitude. O maior problema nem são as missões, mas sim a forma como estas são estruturalmente executadas, com problemas de introdução, falta de cinemáticas dignas, e até diversos bugs que têm urgência em ser corrigidos, estes retiram a imersão em momentos cruciais do jogo. Há missões que não fazem parte das linhas principais da narrativa que são mais interessantes, lamento informar, mas é o que senti. Outro ponto estranho está relacionado com as gunfights, são muito problemáticas, com uma débil detecção de objectos a causar entraves na sua fluidez. A inteligência dos inimigos também deixa muito a desejar, poucos são os que se escondem de forma eficaz, quando não ficam de costas para nós sem sabermos o porquê.

Estes aspectos de gameplay conturbados retiram-lhe o brilhantismo merecido, sente-se que necessitava de mais tempo de desenvolvimento, sim mais tempo, eu sei que foi adiado muitas vezes, mas é a realidade. O jogo precisava de mais alguns meses para limar esses pormenores que o impedem de alcançar o estatuto de obra-prima, que é atribuído a poucos. Mas também tem os seus momentos, como o interessante Braindance, que é a forma como entramos na mente de uma pessoa através do seu chip cerebral, para reconstruir eventos passados. Muito bom. Também dá um gozo enorme andar de carro pela cidade ao som daquela batida preferida (diga-se que a soundtrack do jogo é de excelente qualidade), a apreciar toda a beleza da cidade, a vida que esta transpira. Podemos andar assim largos minutos sem fazer rigorosamente nada. A CD Projekt deveria adicionar um piloto automático aos veículos, bela ideia.

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Poderíamos estar perante o jogo perfeito que todos estaríamos à espera, mas Cyberpunk 2077 falha um pouco na parte que mais importa, as missões. Claro que não é tudo, mas é completamente fundamental, e a narrativa contada nas mesmas é problematicamente executada. Ganha em termos de longevidade já que temos três backgrounds disponíveis, e também experimentar abordar de forma diferente as missões efectuadas. Igualmente, existe uma brisa fresca sentida após terminarmos o jogo, há um ímpeto de nos aventurarmos em fazer a nossa própria historia dentro da já existente. Há uma enorme vontade em continuar a jogar, mesmo após completar os vários finais presentes. Sim, tem vários finais e não se esqueçam de os experimentar, recorrendo a carregamentos de saves anteriores às escolhes decisivas, são fáceis de identificar. Temos umas 30 a 35 horas de jogo em modo normal, completando todos os finais e apenas algumas missões secundárias. E não se esqueçam, não joguem no modo de dificuldade normal, vão arrepender-se.

Chegou finalmente o momento de o avaliar. É sempre injusto este último parágrafo, atribuir um valor, seja ele numérico ou de uma outra forma qualquer, mas tem de ser feito. Pelo final arrebatador em sentimentos, na angústia sentida pelo personagem, pela forma contada a parte derradeira, onde nos sentimos completamente ligados. Não é isso que um jogo deste género tem de nos transmitir e fazer sentir? Conexos como se lá estivéssemos, num mundo imaculadamente representado a nível artístico. Apesar das suas falhas, Cyberpunk 2077 é inesquecível e merece que embarquem nesta viagem.

Prós: Contras:
  • Visualmente arrebatador
  • Narrativa envolvente
  • Temos influência no desenrolar do jogo
  • Vários finais possíveis
  • Dá vontade de continuar a jogar
  • Débil introdução
  • Missões mal estruturadas
  • Vários bugs
  • Gunfights problemáticas
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