Call of Duty: Modern Warfare – Review – Entre a ficção e a realidade

O mundo em risco.

Operando uma mudança significativa nas mais recentes evoluções da saga Call of Duty (COD), a Infinity Ward executa em Modern Warfare (2019) uma espécie de recomeço da série, voltando não exactamente ao mesmo jogo com que se notabilizou particularmente em 2012, com o original (houve um remake em 2016), mas ao ponto de equilíbrio entre uma boa campanha e os modos multiplayer e cooperativos.

Perante os últimos avanços da série que a afastaram do curso original, em bom momento a Infinity Ward arrancou o desenvolvimento deste “reboot”, repondo-a nos eixos. Eis-nos perante a edição anual de COD, porventura um jogo que no seu arranjo não é muito diferente do realizado até aqui. A guerra é a mesma, os conflitos militares como que se renovam e a crueldade das tropas – sejam rivais ou coadjuvantes – não desaparece. Enquanto peça de entretenimento é quase familiar a sensação quando voltamos a jogar COD. Como se nunca tivesse desaparecido a sensação do combate alucinante na primeira pessoa, com todo o espectáculo de animações e registo audio.

Mas é uma espécie de serviço premium e uma jornada portentosa – em campanha e nos modos multijogador -, esta que a Infinity Ward nos proporciona. Juntar a uma campanha significativa a componente multiplayer e o sistema de missões em modo cooperativo – Spec Ops. – tendo como ponto de partida a vertente single player, forma um bloco convincente. De certa maneira é um jogo mais estruturado, organizado (capaz de oferecer algo para a procura) e assente numa narrativa adaptada aos tempos modernos, redimido dos exageros dos “Black Ops”. Se por um lado é verdade que há algo de familiar nesta estrutura, pelo menos diverge das mais recentes entregas COD.

1 Novo périplo mundial para as forças especiais militares.

Uma das marcas do trabalho da produtora, que aliás esteve na base do sucesso do primeiro Modern Warfare, foi o realismo com que descreveu a guerra. Inspirado em atentados e situações chocantes, praticados em locais públicos (aeroporto), como longe das objectivas dos repórteres de guerra, que pareciam ir de encontro a acontecimentos horrendos que haviam polvilhado os noticiários, conseguia ir mais longe com essa força explícita do que através um somatório de explosões genéricas. Pode dizer-se que é a este ponto que a série retorna após alguns anos em deriva.

Uma aposta na campanha militar

Como disse atrás, esta entrada dentro do que é uma série anual, não traz mudanças profundas. Em pouco tempo passado no terreno virtual apodera-se uma sensação de familiaridade. A linearidade está lá, do mesmo modo que não faltam os pontos de orientação e distância para o objectivo, com todo o “smoke and mirror’s” a apontar para o passo seguinte. É também o mesmo espectáculo audiovisual de outras temporadas. Certo que está melhorado e não faltam proezas de design como as sequências operadas à escuridão, ou o atentado terrorista em Picadilly Circus (Londres), cenas quase sempre conjugadas com bons efeitos de iluminação e um ambiente bélico de disparos e balas verdadeiramente ensurdecedor e implacável, mas a experiência mesmo assim, com todo esse impacto, não deixa de ter evidentes pontos em comum com os dois primeiros jogos da sub saga Modern Warfare.

O que está diferente é a história e aqui convém salientar que iremos reencontrar algumas personagens. Encontros esses que não serão tão evidentes à primeira (só mais adiante na campanha é que o guião tende a clarificar a nossa posição) mas ajudam a situar-nos mais uma vez para um conflito que cruza ficção com evidentes confrontos locais em curso, nomeadamente a guerra na Síria, aqui com o nome fictício de Urzikstán e a inspiração para mais um conflito à escala global.

2 Os combates nocturnos e em zonas escuras não perdem em intensidade.

Através de secções curtas mas de elevada intensidade, num ritmo mais táctico, progressivo e dificultado especialmente nos níveis mais elevados de dificuldade, iremos viajar num curto espaço de tempo por vários pontos do hemisfério. Inglaterra, Rússia e Georgia são alguns pontos onde seremos chamados a actuar. O ambiente diverge entre interiores, zonas militares, fortes e estruturas militares densamente povoadas Por vezes furtivamente, carregando um tijolo entre os locais sujeitos ao cárcere, outras vezes fazendo uso da melhor pontaria e da entrada mais rompante, o esquema é variável. Os diálogos atropelam-se, é até um pouco difícil perceber o que está a acontecer logo ao começo perante ruído tão ensurdecedor, porque não estamos sempre a jogar com a mesma personagem, saltando entre o sargento Garrick e Alex, ao mesmo tempo que somos apoiados por personagens secundárias: a mulher Farah e o capitão Price.

“Modern Warfare viveu sempre da conjugação de espectacularidade com proezas técnicas e volta a brindar-nos com uma boa construção”

Tal como numa montanha russa, também na campanha de Modern Warfare se verifica a transição de momentos de alguma acalmia para um ritmo acelerado e infernal. A realização é boa, pouco há a apontar. Modern Warfare viveu sempre da conjugação de espectacularidade com proezas técnicas e volta a brindar-nos com uma boa construção. As animações são impecáveis, o funcionamento das armas é bestial e o barulho das explosões e disparos quase aflige de morte à medida que se intensifica o combate. É talvez uma das melhores campanhas dos últimos anos e até de sempre da saga COD.

A montagem dos segmentos e a diversidade de missões, das mais abertas e disputadas, até aos momentos de infiltração, mostram que ainda é possível escrever um guião de guerra plausível, oscilando entre a realidade e a ficção, um cruzamento que aqui sobressai. Em termos técnicos estamos perante uma boa produção visual, com destaque para os efeitos de luz e ambiente realista. Nota para a boa reacção dos soldados rivais que tendem a detectar o mínimo movimento, se não forem suficientemente cautelosos numa missão de infiltração. Andou bem a Infinity Ward ao desenvolver esta campanha. Não é muito longa nem por si só justifica a aquisição do jogo, mas enquanto opção de abertura (liberta algumas opções para o multiplayer) e antro do potencial desta edição, revela-se certeira.

Multiplayer sem dimensão futurista

Uma vez terminada a campanha, ou nos intervalos desta, o multiplayer (e o modo cooperativo) posiciona-se como a opção a longo prazo, talvez o modo que possa “reter” os jogadores por mais tento, atenta a organização por múltiplas camas e desafios para vários jogadores. É através deste bloco que os jogadores se juntam para os tradicionais combates por equipas (team deathmatch) em diversos mapas. E quanto a isto não se pode dizer que a produtora tenha feito por menos. Desde logo, fora de cena estão os combates futuristas que pontuaram o multi dos COD’s mais recentes.

No seguimento da campanha single player, temos à nossa disposição um conjunto de 21 mapas, agregados por tamanho consoante o número de jogadores e por estrutura horizontal e vertical. Os mais pequenos servem os confrontos do letal Gunfight, agregador de quatro jogadores em equipas de dois. É um combate rápido e intenso, bastante enjaulado se quisermos, quase um jogo do gato e do rato no interior de uma pequena célula, ideal para desafios rápidos e intensos. Os mapas maiores contemplam especialmente a opção Ground Wars que prevê uma arrumação até 64 jogadores e aqui denotamos uma interpretação de Battlefield. Mas é também aqui que entramos na vertente mais tradicional e dos modos habitualmente bem sucedidos. As áreas são grandes, embora seja difícil atribuir-lhes a designação de pequenos mundos abertos.

“Temos à nossa disposição um conjunto de 21 mapas”

Com imensas bases, pontos de captura e veículos, permitem mais alguma gestão do tempo e da organização em equipa. Não é tão fácil morrer aqui, especialmente se as equipas forem em número reduzido, ainda que na sua máxima extensão o combate seja feroz. O que falta é uma espécie de modelação e desgaste dos cenários à medida que a batalha evolui. Nisso COD ainda é muito mais próximo dos primeiros jogos multiplayer, marcados pela rapidez a pressionar o gatilho (e bem) e pelo sentido táctico, do que pelas evoluções mais recentes.

Mas também se verifica um retorno ao melhor de COD. Não faltam “killstreaks” com as quais abrem um segmento de opções (desde ver os adversários no mini mapa, até à ordenação de bombardeamento), uma vertente que se pode apelidar de conservadora, mas suficiente para gerar embaraço e uma constante tensão no avanço. Aos normais modos de jogo acrescem os combates marcados pela visão noturna, uma condicionante que põe à prova o sentido de orientação e o aspecto táctico.

3Gunfight é um modo multiplayer 2 vs 2 que põe à prova a rapidez a pressionar o gatilho.

Regressam também os combates clássicos de doze jogadores divididos por duas equipas de seis. Percebe-se que o jogo instrua num determinado sentido, com modelos de combate algo diferenciados, impostos por novas condições, como os tais combates nocturnos, ainda que a prática se encarregue de nos mostrar uma perversão desses elementos, não faltando jogadores que continuam a jogar sujo e a arrumar com os adversários tirando partido das velhas tácticas de espera ou caça letal.

Ademais, o sistema de personalização de armas contempla uma adaptação ao estilo de jogo. Nada de muito inovador, mas seguramente facilitado no tipo de equipamento mais conveniente ao nosso estilo de jogo. Além disso, as mesmas vantagens do sistema de combate aplicadas na campanha (apoiar a arma em certos pontos do cenário e operar carregamento enquanto se dispara, abrir e fechar portas) encontram aplicação no multiplayer. Registo para o desaparecimento das “loot boxes” e das microtransações, uma limpeza não só desejada como adequada a tornar mais atractivo o progresso.

A continuação da campanha em Spec Ops

O regresso das Operações Especiais e cooperativas até quatro jogadores funciona como um terceiro bloco, onde com mais companheiros reais ou fuzileiros controlados pela inteligência artificial, aplicam o melhor conhecimento de combate em áreas que se podem apelidar de mundos abertos. É o desenvolvimento adicional da campanha, mas claramente numa dimensão secundária. Aqui o primordial é articular o avanço, tanto ao nível táctico como de guerrilha em diversos cenários de guerra.

4 Gunsmith permite um arranjo mais alargado do arsenal.

Ficam de fora os níveis mais surpreendentes, e lineares, mas nem por isso é menor o entusiasmo neste avanço. Muitas tácticas do multiplayer podem aqui ser aplicadas, dando uso aos killstreaks e a uma abordagem dual, concentrada no gatilho, ou no avanço furtivo. O mapa é gigantesco, uma área de intervenção bastante alargada, na qual temos veículos à nossa disposição. As condições ideais correspondem a uma vertente cooperativa apoiada em jogadores reais, se não queremos passar por maus bocados. Somando diferentes objectivos e uma actuação em equipa, a Infinity Ward quis definir neste âmbito uma experiência multiplayer baseada na história, mas nem sempre é mais interessante que qualquer um dos blocos que servem de apoio.

Um recomeço aprazível

Não se pode dizer que Modern Warfare seja um jogo surpreendente. Quase tudo o que é aqui mostrado e apresentado em forma de sistema de jogo e composição narrativa, enquanto peça de entretenimento audiovisual capaz de descrever a crueldade e a brutalidade da guerra, foi apresentado e desenvolvido no passado. A trilogia Modern Warfare é um bom exemplo. A deriva da série para experiências que redundaram num afastamento dessa base é que ajuda a tornar capital e revitalizadora esta edição, numa espécie de regresso às origens. Uma campanha bem conseguida e dois blocos multiplayer sólidos fazem deste um dos melhores, senão o COD mais coeso e apoiado dos últimos anos.

Prós: Contras:
  • Regresso da campanha militar no melhor da Infinity Ward
  • Intensidade e sentido táctico do sistema de combate
  • Campanha, multiplayer e Spec Ops: três blocos coesos
  • Dimensão audiovisual levada ao extremo.
  • Multiplayer sem aspectos futuristas
  • Desempenho técnico
  • Sensação de revisita da trilogia Modern Warfare
  • Spec Ops não está ao nível da campanha
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