MediEvil – Review – Clássico renascido da sepultura

Mais do que a nostalgia do original.

Avançam em popa os remakes de clássicos lançados para a PlayStation. A poucos dias de distância do Halloween, também por cá conhecido como dia dos finados, a Sony vai lançar MediEvil, uma versão remake do clássico jogo de aventura lançado para a PlayStation em 1998. Para quem teve a oportunidade de então experimentar o jogo produzido pelo estúdio SCE Cambridge, seguramente irá apreciar as diferenças desta versão praticamente renascida da sepultura. O trabalho do Other Ocean Emeryville nalguns pontos galga as fronteiras dos retoques e da simples adaptação para o moderno, limpo e detalhado 3D.

MediEvil foi um relevante e bem sucedido jogo de acção e aventura em 3D, inspirado em Ghosts’n Goblins e na personagem do filme Nightmare Before Christmas, de Tim Burton. Sir Daniel Fortesque, renascido do túmulo e destinado a vingar a sua morte é a personagem central. À época o jogo encontrou uma falange de adeptos (a comprová-lo está a recente junção aos jogos disponíveis na PSX mini), os mesmos que aproximadamente vinte anos volvidos poderão experimentar o original na sua máxima extensão, num estado de aproximação aos desejos dos produtores que ficaram por materializar.

O resultado é um jogo que mantém o humor e divertimento da primeira experiência mas que melhora sobremaneira no capítulo da jogabilidade, proporcionando movimentos mais fluidos e céleres, com melhores câmaras e uma dinâmica desenvolta nas batalhas, resultando numa boa sensação de física e controlo. A isto acresce uma melhor definição do mundo, bem como das personagens. É de um agrado tremendo perceber e abarcar esta renovação por que passam muitos jogos que de algum modo contextualizaram uma época e foram pioneiros na arte em 3D. Embora haja uma ténue linha que marca a divisão entre nostalgia e o que é valor acrescentado, MediEvil consegue atingir um importante ponto de equilíbrio, assegurar uma arte segura da fonte e melhores movimentos.

1 Sir Dan tem o aspecto de um quase anti-herói, mas não se deixem iludir. Era um valioso cavaleiro.

O novo estúdio mexeu nos alicerces do original, trabalhou o código, mas de longe há alguma uma conformação com a ideia de réplica, de um jogo que fosse simplesmente uma reprodução exacta do original dentro de um motor 3D mais capaz. Ideias e até mesmo “bosses” planeados para o jogo de 1998 e que tiveram de permanecer no papel por força das limitações da plataforma, saltaram para o remake, reforçando a jogabilidade e o mundo das trevas que Sir Daniel irá mais uma vez que resgatar.

A longa noite dos zombis

Tudo porque o feiticeiro Zarok, desejoso por conquistar Gallowmere, mergulhou o território nas trevas. Os mortos levantaram-se das sepulturas e agora vagueiam livremente, assustando de morte os habitantes incautos. Zarok só omitiu, nesse seu ensejo mortal, que o antigo cavaleiro Sir Daniel também fora abatido numa batalha quando empurrava o exército do rei precisamente contra a raiz do mal encarnado, e que por isso repousava eternamente sobre uma lápide.

Libertando os outros mortos, trouxe do mesmo modo à superfície, por acto mágico, o icónico cavaleiro que de anos passados nas profundezas perdera a mandíbula inferior mas mantivera todo o seu portente arcabouço ósseo. Munido do melhor metal afiado para golpear os planos de Zarok e das mais fortes armaduras capazes de suster os ataques impiedosos dos zombis, qual Sir Arthur, segue para o combate da sua morte. É a luta típica do entronizado “one man army” numa longa noite das bruxas.

3 Existem imensas armas para coleccionar. Através do cálice terão acesso à área dos deuses onde poderão adquirir mais equipamento.

Para começar, e como é habitual nas produções da Sony lançadas em Portugal, o jogo encontra-se com vozes em português, arrancando no nosso idioma desde que assim esteja estabelecido nas definições da consola. Sobressai neste capítulo o bom trabalho, num registo que pouco ou nada deve ao original. É até mais fácil para a nova audiência e de menor idade compreender a história. Nada de muito complexo, mas daqui ressaltam os bons apontamentos humorísticos e algumas decisões de design bem conseguidas.

Jogabilidade refinada

Num avanço por pontos específicos de um mapa que desaparece da bruma à medida que progredimos, Sir Daniel terá nesta árdua missão que enfrentar hordas de inimigos e superar vários bosses até chegar ao temível Zarok. O ambiente é o mesmo do jogo de noventa, mas em alta definição esta é uma experiência que renasce visualmente diante dos nossos olhos. Pessoalmente, encontro em MedEvil uma composição algo arredada das produções mais recentes, o que é bom e resulta num ténue saudosismo de um design robusto e simultaneamente pioneiro.

Este é um jogo marcado pela acessibilidade e por um sentido de divertimento ainda baseado na estrutura dos jogos arcade, a tal sensação nostálgica ao desbravar o cemitério, a lembrar Ghouls’n Ghosts mas também Maximo, a sequela espiritual em 3D da Capcom, que como tantos outros enveredou pelo 3D. Hoje qualquer jogo que não tenha múltiplos tutoriais, árvores de habilidades e múltiplas divisões e cenários abertos, é menos apto a grandes voos.

“Este é um jogo marcado pela acessibilidade e por um sentido de divertimento ainda baseado na estrutura dos jogos arcade”

Curiosamente, MedEvil oferece-nos várias ferramentas. Dispomos de armas principais e armas secundárias. Aos punhais (podemos sempre reabastecer junto das carrancas a troco de umas moedas de ouro) acresce uma afiada espada e ainda um escudo para protecção. Mas o escudo desgasta-se ao fim de algum tempo de uso, pelo que podemos ficar sem protecção em momentos mais escaldantes (uma boss fight, por exemplo). Com o acesso ao cálice (estão colocados em pontos secretos nos mapas) chegamos a outras armas e desta forma obter equipamento útil para batalhas mais exigentes.

2 Os contrastes, as cores e os efeitos de iluminação receberam amplas melhorias.

Através do “touch pad” podemos seleccionar a todo o instante o equipamento principal, secundário e armaduras. Estas são relevantes e diversificadas nas suas componentes e em desenho. Na eventualidade de ausência de armas, podemos sempre recorrer à mão de Sir Daniel, uma espécie de último recurso, e que funciona como boa alternativa ao pesado bastão com que é capaz de abrir túmulos ou destruir pontos vulneráveis do cenário.

O controlo da personagem melhorou imenso. A desenvoltura dos movimentos, as animações, os golpes e as defesas com o escudo foram trabalhados e aperfeiçoados, o que dá quase uma nova face à experiência original. Outro ponto relevante – e decisivo nos jogos de acção e aventura – é a perspectiva. Através do analógico esquerdo podemos rodar em torno da personagem com grande facilidade, para além de uma boa adaptação ao melhor ângulo nos cenários onde não é possível rodar a câmara manualmente. Enquanto que anteriormente a perspectiva era um problema, agora isso praticamente deixou de ser um obstáculo. Temos assim desenvoltura e uma plena observação do ambiente ao nosso redor.

Apesar da boa evolução não podemos perder de vista os mais de vinte anos de distância. É, afinal de contas, um jogo de 1998, e por isso em matéria de design e sistemas, mesmo com as mudanças implementadas, é impossível refazer tudo sem esbater qualquer réstia de anacronismo. Por vezes a física e as caixas de contacto nem sempre parecem bem optimizadas (isto é especialmente sentido nas boss fights), e algumas áreas podem revelar-se um pouco vazias, enfim, em certos pontos parece mais despido.

4 Preparação para uma longa noite das bruxas.

Porém, o ambiente fantasmagórico está ainda mais autêntico, numa atmosfera que não fica distante dos filmes de Tim Burton. A iluminação, efeitos como nevoeiro, as sombras e as cores melhoraram a olhos vistos. O desenho da personagem favorece a sua estrutura ossuda, quase uma beleza fina em movimento, um Manny Calavera alto e esguio. Em termos musicais as sonoridades fantasmagóricas contribuem para a projecção da acção. Se optarem por adquirir a versão “deluxe” terão acesso a um livro de arte, a banda sonora e um livro de banda desenhada, tudo instalado na vossa PS4.

“O ambiente fantasmagórico está ainda mais autêntico, numa atmosfera que não fica distante dos filmes de Tim Burton. A iluminação, efeitos como nevoeiro, as sombras e as cores melhoraram a olhos vistos”

MediEvil é um bom remake de um jogo marcante, rebocando um design e uma estrutura hoje menos eleitos. Nele encontramos as raízes de muitos jogos em 2D, assim como arte e design pioneiros em 3D. Um MediEvil feito de raiz nos nossos dias seria muito diferente, provavelmente melhor, mas dificilmente igualaria a magia que o studio Cambridge nos proporcionou. O mérito deste remake passa por tornar mais viva, dinâmica e expansiva essa experiência. Não há muitos jogos assim, marcados pela simplicidade e divertimento. Às vezes é só isso que queremos.

Prós: Contras:
  • Amplas melhorias em termos visuais e reforço da atmosfera fantasmagórica
  • Reforçada a desenvoltura do sistema de combate
  • Banda sonora
  • Arte das personagens e cenários
  • Melhoria das câmaras de acompanhamento da personagem
  • Convincente adaptação ao português
  • Ocasionais bugs
  • Detecção de física com algumas inconsistências
  • História superficial
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