Fire Emblem: Three Houses – Análise – Passos de gigante

A série evoluiu sem prescindir dos seus maiores valores.

Foi preciso esperar mais de 10 anos, mas a série Fire Emblem está finalmente de volta ao grande ecrã da tua sala, com a chegada deste Three Houses que se posiciona desde logo como uma dos mais ambiciosos jogos desta série da Nintendo. Na verdade, ao ser desenvolvido para a Nintendo Switch, uma híbrida, Three Houses permite a Fire Emblem libertar-se das “amarras” da Nintendo 3DS e ir muito mais além do que poderias pensar, sem prescindir do formato portátil que tanto sucesso lhe rendeu.

Fire Emblem Awakening de 2013 e Fire Emblem Fates de 2015 foram dois jogos sensacionais que, além de aumentar a popularidade da série em todo o mundo, deram à 3DS dois dos seus mais aclamados jogos. Em 2017 chegou às lojas Fire Emblem Echoes: Shadows of Valentia, novamente para a 3DS, um jogo que manteve a qualidade, mas já nos deixava a suspirar pela próxima grande evolução da série. Graças à Switch, terás precisamente isso nas tuas mãos ou no conforto do sofá da tua sala.

Desde 2008, com Fire Emblem: Radiant Dawn para a Wii, que a Intelligent Systems não desenvolvia um Fire Emblem focado numa consola caseira e contou com a ajuda da Team Ninja, estúdio da Koei Tecmo celebrizado por Ninja Gaiden, Dead or Alive e NiOh, para ajudar no desenvolvimento de um título de maior envergadura, repleto de novas mecânicas e elementos. Fire Emblem: Three Houses facilmente será visto como uma referência na série que ajudará a traçar seu futuro percurso.

O Mosteiro e as três facções

Fire Emblem: Three Houses transporta-te para Fódlan, um continente dividido em três grandes reinos que actualmente vivem em paz. No meio dos três reinos, num ponto altamente estratégico, está localizado o Mosteiro de Garegg Mach, a partir do qual a Church of Seiros ajuda a manter a paz e se estabeleceu como uma das mais poderosas e respeitadas entidades. No papel de Byleth, serás um professor na Academia que ajuda a preparar adolescentes para os diversos importantes papeis que vão desempenhar ao longo da sua vida nos seus respectivos reinos.

Poderás escolher ser o professor da casa Black Eagles (estudantes oriundos do Adrestian Empire e liderados por Edelgard) , Blue Lions (oriundos do Holy Kingdom of Faerghus e liderados por Dimitri) ou Golden Deer (oriundos do Leicester Alliance e liderados por Claude) – cujo funcionamento, actividades e vida no Mosteiro facilmente te vão fazer pensar em Harry Potter. Ao escolher uma casa, terás acesso a um grupo específico de estudantes, que te vão acompanhar até ao final do jogo e ficarás privado de praticamente todos os estudantes das outras casas.

O Mosteiro e a Church of Seiros serão os principais elementos da narrativa inicial, mas ao longo das cerca de 30 horas necessárias para terminar uma campanha, os três reinos e uma outra facção terão imensa preponderância no enredo. Não vou revelar detalhes para não te arruinar a narrativa, mas acredita que fiquei de tal forma empolgado com os acontecimentos que dificilmente parava de jogar e quando parava, estava ansioso para voltar a Three Houses e descobrir o que aconteceria no final da próxima batalha.

“cerca de 30 horas necessárias para terminar uma campanha”

A narrativa é forte e a presença de três casas significa três campanhas com pontos comuns, mas com diferenças importantes. Fire Emblem: Three Houses tem ainda um sistema de diálogos que te permite dar diferentes respostas em alguns momentos, que podem criar diferenças (muito ligeiras) nas cenas, o que amplia ainda mais o potencial para repetir o jogo tentar fazer as coisas de forma diferença. O elemento social introduzido com o mosteiro e a necessidade de gerir as interacções com os alunos e escolher quais os alunos aos quais mais atenções vais dar, significa que frequentemente vais ficar a pensar se devias ter feito outras escolhas ou as coisas de forma diferente. Poderoso.

És um professor cujas acções afectam o futuro dos alunos

Fire Emblem: Three Houses vai buscar elementos ao passado da série e aposta numa estrutura que te poderá fazer pensar em jogos como Persona – nos quais tens de gerir constantemente o teu tempo e onde dar atenção a uma pessoa significa passar menos tempo com outra, o que terá consequências nas batalhas e linhas narrativas secundárias. Ao escolher uma casa, estás a escolher o grupo de alunos com os quais vais passar a maioria do teu tempo no mosteiro – uma das duas principais facetas do gameplay de Fire Emblem: Three Houses, a outra são as batalhas.

Fire Emblem: Three Houses está dividido por meses e no final de cada mês tens uma batalha principal que avança a narrativa. Até lá, terás de escolher as actividades nas quais participas e o que fazes no jogo, com benefícios e consequências a cada escolha (mas nada tão stressante ou complicado como inicialmente parece). Aos Domingos, o dia de folga, podes passear pelo Mosteiro e conversar com os alunos, soldados, membros da Igreja e outras personagens. Podes entrar em actividades como jardinagem, pesca ou culinária e é aqui que estão missões secundárias que reforçam os laços com outros personagens. Podes ainda almoçar ou cantar no coro com alunos ou professores para melhorar a tua relação com eles e melhorar a tua reputação geral (que te dá benefícios a cada novo nível).

“Fire Emblem: Three Houses vai buscar elementos ao passado da série e aposta numa estrutura que te poderá fazer pensar em jogos como Persona”

Tendo em conta as personagens que mais queres agradar, terás de gerir bem o teu tempo e este elemento social glorifica o que a Intelligent Systems fez anteriormente. A dada altura podes até tomar chá com uma personagem e aproximar-te dele ao ponto de estabelecer uma relação amorosa. Inicialmente fiquei preocupado à procura de gerir da melhor forma o tempo e focado em certas actividades para melhorar o meu nível de Professor, receando a noção que poderia estar a jogar de forma errada, nNo entanto, isso não existe em Fire Emblem: Three Houses. Jogas da forma que queres e focado no que pensas ser melhor para ti e os teus alunos, mas se precisares, tal como em Persona 5, Three Houses dá-te uma indicação do que cada jogador fez a cada Domingo.

Isto porque podes optar por não explorar o Mosteiro e, ao invés disso, podes assistir a uma palestra que melhorar alguns dos diversos atributos em cada personagem, treinar os personagens nos combates ou simplesmente descansar (ajuda a levantar o moral dos alunos). Explorar poderá ser inicialmente altamente divertido, mas 15 horas após repetir semanalmente o processo, senti que teria mais benefícios a descansar ou até a combater. O melhor de tudo é que a Intelligent Systems foi verdadeiramente inteligente a gerir a experiência e não te força a nada. A gestão é tua e tu sentes como queres levar a tua vida no Mosteiro.

É importante sentir que as tuas acções tem peso e que o papel de Professor tem valor neste mundo, especialmente porque às Segundas geres as especialidades nas quais cada personagem se foca e estabeleces uma de três actividades de grupo. A meio da semana surgem acontecimentos inesperadas, como questões de alunos, aniversários ou celebrações, mas ao fim de várias horas o ciclo poderia correr o risco de se tornar repetitivo e como tens a opção de gerir livremente as tuas actividades, isso jamais acontece.

Um clássico dinamizado

Sendo um Fire Emblem, podes contar com o habitual sistema triangular de armas com benefícios umas sobre as outras, classes de personagens, a morte permanente de personagens importantes (podes desactivar isto no início do jogo) e claro, os combates estratégicos por turnos numa perspectiva vista de cima. Fire Emblem: Three Houses dá-te a opção de aceder a uma perspectiva muito mais dinâmica, nas costas dos personagens, que parece resultar da parceria entre estes dois estúdios em Fire Emblem Warriors. No entanto, se a ausência das personagens pixel art já é demasiado para ti, podes manter-te pela perspectiva tradicional, foi o que fiz até ao final do jogo – após as primeiras duas horas a experimentar a nova perspectiva.

Apesar das imensas novidades nas mecânicas e gameplay, motivadas pela ambição de alcançar uma experiência mais ambiciosa ao regressar às consolas caseiras, a Intelligent Systems manteve o mesmo divertido e até difícil sistema de combates. Se activares a morte permanente de personagens, estarás constantemente a repetir jogadas (podes recuar no tempo) ou até mesmo a repetir batalhas – Three Houses deixa-te voltar ao início do combate com toda a XP amealhada até ao momento em que sentiste que não conseguirias triunfar (altamente útil e uma mecânica que respeita o teu tempo).

Além das tuas actividades nas aulas e tempo livre no Mosteiro, também as tuas acções nos combates ajudam a melhorar os diversos atributos dos teus alunos que combatem a teu lado. Existem classes especializadas em magia ofensiva, magia defensiva, ataque com lanças ou machados, arqueiros e claro, os que voam pelos cenários com grande mobilidade. No entanto, este Fire Emblem: Three Houses deixa-te contratar Batalhões que dão buffs à Unidade Principal (Byleth ou os alunos) e dão acesso a ataques especiais. Podes ainda agrupar um personagem a outro e obter acesso a movimentos adicionais enquanto ambos ganham experiência.

Os combates também foram dos momentos mais divertidos em Fire Emblem: Three Houses e isso é altamente importante. Passas muito tempo nos combates, são a forma de avançar na narrativa e todos os esforços nas outras facetas do jogo é pare que os combates corram melhor. A série Fire Emblem já é conhecida pelos seus combates altamente profundos e sistemas que te desafiam. Foi uma das melhores sensações descobrir que Fire Emblem: Three Houses agarra essa tradição e a torna num dos principais pilares da sua experiência.

Mais uma referência de gabarito

As novidades introduzidas em Three Houses significam desde logo que é um dos mais ambiciosos e refrescantes jogos da série Fire Emblem. A Intelligent Systems decidiu arriscar e introduzir novidades na série, que podiam nem resultar, mas que se tornam num dos seus mais interessantes elementos. Mudar apenas por mudar nem sempre da bom resultado, mas Three Houses consegue satisfazer enquanto jogo caseiro e ainda permanece uma experiência portátil muito satisfatória.

Fire Emblem: Three Houses respeita os valores a série, usa-os como uma forte fundação sobre a qual se ergueu, mas respeita as ambições de quem deseja passar para uma caseira através de uma experiência mais diversificada, envolvente e consequentemente divertida. As horas passaram a voar, fiquei frequentemente rendido ao que estava a ver e não o larguei enquanto não o terminei. Inicialmente, as actividades, exploração do mosteiro, gerir o tempo e com quem falas/melhoras, poderá assustar (especialmente quem não gosta de sentir a pressão que está a apostar em algo em detrimento de outra coisa), mas Fire Emblem: Three Houses é uma nova referência nesta épica série que te vai encantar com o seu charme.

Prós: Contras:
  • O sistema de combates táctico por turnos permanece sensacional
  • O elemento social no Mosteiro é divertido
  • Banda sonora de grande qualidade
  • A gestão dos personagens é relativamente acessível apesar das diversas opções e tarefas
  • Podes ajustar a dificuldade e impedir que os personagens morram de forma permanente
  • Três linhas narrativas que podes percorrer
  • Forte equilíbrio entre profundidade e acessibilidade
  • Repetição de alguns mapas
  • Sensação que algumas escolhas não interferem nos diálogos
  • A pressão de gerir bem o tempo poderá assustar alguns jogadores
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