OkunoKA – Análise – Tentativa e erro para salvar o mundo

O sistema tentativa e erro desde há muito tempo que está implementado nos videojogos. Começou por proporcionar uma espécie de prolongamento, aumentando a longevidade dos jogos curtos através de constantes repetições (neste jogo chamemos respawn). Mas continha também um elemento crucial, a recompensa pelo tempo investido, a glória do jogo completado, as três letras do nome no topo da pirâmide. Mais recentemente, a série Souls elevou o sistema a níveis mediáticos, com a demarcada vantagem de o fazer no âmbito dos jogos em mundo aberto.

Não tardou até encontrar uma audiência obstinada a garantir novos desenvolvimentos e o conforto das sequelas. Em todas as fases e tempos da indústria dos videojogos, muitos dos princípios que nortearam as primeiras produções revalidam-se e são recorrentes quando os produtores são convocados a programar.

Mas se isso pesa em jogos mais “hardcore”, abrangendo segmentos menos populares, ainda serve para atrair um público mais resiliente às experiências tradicionais. Muita gente joga pouco, mas o tempo que reservam para jogar é deslocado para experiências intensas. Nem que seja um par de minutos é tempo suficiente para testar os reflexos e as habilidades. É por esse prisma que pensam muitos pequenos estúdios quando laboram um primeiro ou segundo jogo.

Formado em Roma, 2015, o Caracal Games lançou o seu primeiro jogo o ano passado. Criado por apenas três pessoas, Downward alcançou 25 mil downloads no Steam, um título que arrebatou vários prémios em Itália. Um ano depois, com uma equipa a dobrar nos artistas e no talento para jogos em 2D, o estúdio lança o seu segundo jogo: OkunoKA.

Trata-se de um jogo 2D de plataformas do tipo “masocore”, dotado de uma estética vibrante, no qual assumem preponderância níveis curtos (ligar ponto A ao ponto B) e a jogabilidade requer precisão e destreza nos movimentos. OkunoKA não é muito diferente de tantos outros jogos que pegando nas bases das plataformas proporciona uma corrida pela chegada à meta. Passando pelos perigos e obstáculos meticulosamente colocados, o jogador não apenas sobrevive como ganha força para chegar às almas negras.

1Ka adora comer e dormir mas as almas negras são a sua predilecção.

Os primeiros segmentos, mais do que uma introdução, comprovam o bom desenvolvimento e compromisso da jogabilidade: criar um desafio constante e consistente. Para tal foram criados mais de 100 níveis, oferecendo variantes e diferentes condições, sem abdicar dos confrontos com os bosses (há quatro para defrontar) e um conjunto de níveis secretos.

Para começar importa dizer que a arte do jogo está bem conseguida, até porque as plataformas estão directamente relacionadas com o salto como elemento fundamental da mecânica. Sem apresentar visuais propriamente elaborados, desenvolve uma estética bem conseguida, com suficiente renovação. Mas, o importante na experiência vai para lá do grafismo, com o destaque a repousar no salto da pequena bola saltitante.

Cabe a KA, uma pequena criatura azul quase do tamanho de uma bola, saltar por entre plataformas até alcançar uma força rival. Gradualmente irá libertar o mundo do mal que tomou posse de forma inesperada. Não há nada de admirável neste argumento, nem sequer oferece uma história capaz de nos prender, mas o que sobressai imediatamente quando jogamos, para além do bom feeling no comando da personagem, é a arte. Já os efeitos visuais e as animações, não sendo extraordinários, asseguram uma boa fluidez.

Se os primeiros níveis ficam marcados por uma grande acessibilidade ao ponto de um principiante nos videojogos os concluir com toda a facilidade, mais adiante os desafios proporcionam mais dificuldade. O que não quer dizer mais complexidade. A estrutura mecânica de OkunoKA é bastante simples. Oferece variantes e diferentes obstáculos, mas nunca escapa à análise circular daquilo que propõe: testes sucessivos de dificuldade crescente.

Os níveis variam não porque sejam introduzidas novas mecânicas ou conceitos, mas porque o posicionamento dos obstáculos e dos inimigos nos obriga a percorrer diferentes caminhos. A personagem salta à parede e agarra-se, podendo ressaltar para a plataforma imediata.

A dada altura consegue criar ou fazer desaparecer plataformas, uma mecânica um pouco mais elaborada. No entanto e apesar dos sucessivos avanços na trajectória dos 100 níveis, todo o esforço é canalizado para um incremento de dificuldade, sem grandes rotações ou mudanças, como se o jogo entrasse num círculo vicioso. Nalguns níveis os picos de dificuldade podem ser exasperantes, o que nos leva a entrar no tal processo de tentativa e erro que marcou muitas experiências arcade.

OkunoKA até podia ser um jogo 16 bit, ou sair numa arcada nos anos 90. Não deixaria ninguém adivinhar a viagem no tempo. E no entanto consegue atrair o público casual à custa de desafios rápidos e intensos. É talvez a sua melhor faceta, posicionar-se como um jogo transversal. OkunoKA não foge de uma mecânica simples que se serve de um jogo de espelhos para criar novos desafios. A prova é a mesma mas basta uma mudança na composição para nos levar desta meta ao próximo ponto de partida.

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