Mega Man X Legacy Collection 1 e 2 – Análise – Uma colecção com peso

O calendário assinala 2018 mas por instantes parece que regressamos a 1994, como que voltando a um período que tão boas memórias proporcionou a quem pôde conhecer a indústria dos videojogos num tempo de grandes transformações. Sonic, Tails e Knuckles estão de volta à ribalta, com a mesma agilidade e virtuosismo com que se notabilizaram há mais de vinte anos, apresentando-se em grande forma em Sonic Mania, enquanto que os combates de Street Fighter II, Alpha e III regressaram para gáudio dos fãs numa edição que comemora os 30 anos da série, destacando os combates online e uma extensa revisão da matéria artística num museu digno do nome da série.

Desse mesmo tempo, meados da década de noventa, é incontornável o peso de uma das personagens que adquiriu praticamente o estatuto de mascote. Mega Man era já nessa altura sinónimo de um desafio extremo e chiptunes memoráveis. Com a base e primeira fornada da série ligada à NES, esta personagem peculiar ganhou um estatuto ímpar, posicionando-se ao lado de Sonic e Super Mario como referência. Criada pelo mestre Inafune, viria a conhecer uma segunda franquia em 1993, graças a uma série de jogos desenhados e produzidos para a Super Nintendo, num novo alinhamento rebaptizado de Mega Man X, que haveria de prolongar-se até Mega Man X8, um jogo de 2005 lançado para a PlayStation 2.

É precisamente esse legado que a Capcom emula numa colecção que é muito mais do que o somatório dos jogos inscritos e publicados entre 1993 e 2005. Trata-se de duas colecções que podem ser adquiridas separadamente ou num só título, neste caso em dois blocos separados, contendo quatro jogos cada um. Mas para lá dos jogos originalmente lançados, a Capcom oferece uma quantidade de extras, entre o bónus e um apreciável museu com tudo o que há para saber sobre cada uma das produções, bem como um modo desafio, a servir de teste para os jogadores mais exigentes e uma opção para suavizar a dificuldade capaz de deixar à beira do desespero quem só agora tenha um primeiro contacto com o universo Mega Man.

1 Uma imagem de marca. Mega Man X marca uma evolução notável no quadro da série, embora permaneça o modelo clássico de jogabilidade.

Apesar de publicados anteriormente, ainda que a título individual e nalgumas remasterizações, esta é uma excelente oportunidade para conseguirem a bom preço, de forma agregada e com uma série de extras que não encontram noutro lado, alguns dos melhores jogos de toda a série Mega Man. Entre os oito títulos, a qualidade entra em decréscimo após a sexta edição, com alguns jogos abaixo dos primeiros e manifestamente detentores de um diferente design, mas nem por isso deixam de ser óptimas possibilidades de exploração e conhecimento.

Em 1993 a reputação de Mega Man estava em alta. Ainda hoje é sinónimo de uma jogabilidade delirante (Mega Man 11 promete reacender a chama), mas no ano em que é publicado Mega Man X, esta personagem integrava um hemisfério de plataformas e acção pura e dura, através de saltos, disparos e posicionamento dos inimigos que faziam de cada pequena sequência uma espécie de prova de obstáculos na qual não podíamos errar mais do que duas ou três vezes, sob pena de ficarmos pelo caminho. No género de plataformas 2D em formato scroll lateral, Mega Man era exímio e único, e para muitos estúdios era uma meta impossível de replicar.

Muito contribuiu a mestria de uma turma de produtores da Capcom que se manteve ao longo das primeiras edições do segmento Mega Man X, na qual se encontrava Keiji Inafune, o criador da personagem e um dos maiores responsáveis pelo sucesso do “blue bomber”. Para a Capcom, a criação de Mega Man X consistiu numa oportunidade para rever e aprimorar a jogabilidade. Por um lado Mega Man X recebeu um grafismo mais evoluído, com mais objectos em cena, mais cores, fundos melhorados e um incrível “level design” ao ponto de ainda hoje ser um dos jogos de plataformas mais bonitos (e procurados) da consola 16 bit da Nintendo.

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Mega Man X é uma proeza a vários capítulos. Da jogabilidade à banda sonora, do level design à dificuldade árdua mas nunca deveras frustrante, consegue mostrar-se numa das mais equilibradas e destacadas produções deste conjunto. As alterações à jogabilidade passaram pela adição do “dash” como forma de atacar inimigos e irromper deliberadamente pelo cenário. Outro movimento novo é a escalada de paredes, algo que o jogador aprende bem cedo enquanto inspecciona o cenário, o que confere sobretudo mais verticalidade a alguns segmentos.

No que toca à história, estamos perante duas facções em disputa. De um lado os Maverick Hunters e do outro os Reploids, criados pelo Dr. Cain, tendo por base Mega Man X, mas que acabaram por atacar os humanos. Em resultado disso Mega Man auxilia os caçadores de Mavericks (a variante agressiva dos Reploids), o que dá origem a uma história diferente da série original, com novas e mais elaboradas sequências, e introduções sempre vitais para não perdermos pitada do desenrolar dos acontecimentos.

O sucesso do primeiro jogo passa pela forma como se apresentou fresco e novo, uma verdadeira sensação de evolução face ao que era até então a série Mega Man. Mais rápido e retocado, a personagem movimenta-se pelos cenários com uma graciosidade incrível, contando com imensos sprites e um conjunto de animações superior ao original. A estrutura e modelo da jogabilidade permanece. Neste jogo voltamos a ganhar a arma ao boss, o que se mantém até ao final, num processo que nos leva a escolher o melhor equipamento e a ampliar o arsenal quando chegamos à derradeira batalha. É um modelo tradicional, mas exclusivo da série, quase como uma marca identitária.

3 Opções novas como o desafio e o modo rookie, e os quatro jogos presentes nesta Legacy Collection.

Um ano depois da estreia de Mega Man X, a Capcom voltou à carga, ainda na SNES, com Mega Man X2, um jogo que deu seguimento à estrutura do jogo anterior, produzindo alterações mais subtis, ainda assim suficientes de molde a reconquistar o interesse dos fãs. Desde logo o destaque vai para as novas armas, uma reconfiguração já habitual que enche de interesse o confronto com os novos chefes de fim de nível. Neste caso o destaque vai para a Giga Armor, uma armadura que permite a X realizar um “air dash”. Este factor descoberta leva-nos a encontrar algumas boas surpresas. O design também recebeu melhoramentos e de um modo geral posiciona-se como um desafio muito consistente.

Em 1995 a Capcom lança o derradeiro capítulo da série na Super Nintendo. Mega Man X3 é o primeiro a permitir jogar com Zero, uma personagem que recebe um estatuto bem mais central, e a receber movimentos que o distinguem de X. Trata-se de um jogo que colhe novidades, entre novos bosses, armas, cenários e até uma diferente composição artística. A Capcom queria deixar uma assinatura na despedida da consola 16 bit da Nintendo, tendo-o feito com sucesso, na forma como muitas das batalhas ganham uma composição avassaladora.

Quase dois anos depois, a série Mega Man X salta para a Saturn e PlayStation, as duas consolas 32 bit do momento. Embora mantendo o estilo dos visuais e o side scroll de formato horizontal, a Capcom tirou proveito das capacidades das máquinas para acrescentar ainda mais conteúdos e melhorar a jogabilidade. Zero é uma personagem que adquire um papel ainda mais importante, ao mostrar-se seleccionável desde o primeiro capítulo, juntamente com X. O jogo representa um salto para a série em muitos pontos, mas também se antevêm uma série de alterações que ditariam o futuro da série. Mega Man X4 é um dos pontos altos, capaz de penetrar nas consolas 32-bit com a mesmo impacto das primeiras edições no formato 16 bit.

É na viragem do milénio que a Capcom lança a quinta edição de Mega Man X, um jogo produzido por uma equipa diferente das anteriores edições, com particular ênfase nos múltiplos finais consoante o jogador fosse capaz de terminar o jogo antes da verificação de determinados acontecimentos. O jogo retém muitos elementos do passado, voltando a oferecer os mesmos protagonistas. Não obstante as alterações mais significativas ao nível da narrativa e das armas, o jogo oferece um óptimo desafio, mas a fórmula que lhe dera sucesso dá alguns sinais de cansaço. Comparativamente com o legado da série até então, Mega Man X6 é menos fulgurante e já não impressiona como as primeiras edições. Sem Keiji Inafune, são mais evidentes as inconsistências e sobretudo uma menor inspiração na jogabilidade. Sem grandes inovações, é um jogo mais ofuscado, lançado numa deriva de lançamentos que não conseguem devolver o estatuto da série.

A passagem para a PlayStation 2, com Mega Man X7 e Mega Man X8, marca o acolhimento da perspectiva 3D e o abandono do tradicional 2D. É uma decisão motivada por força das experiências a três dimensões, cada vez mais consolidadas. Embora a realização não seja má e ainda se faça sentir uma jogabilidade bastante capaz, é como se a série tivesse perdido o ADN e a imagem de marca por que sempre se notabilizou. Outras séries famosas pelo 2D também experimentaram o salto para o 3D e não resultaram (Metal Slug). Mega Man X apresentava uma estética que não andava longe do anime ou da banda desenhada. Sem isso, parece até que a jogabilidade perde algum do seu encanto, diluindo imensos efeitos positivos.

4 Passagem de Mega Man X para o 3D ou 2.5D.

No que respeita à qualidade dos visuais, nada de negativo a apontar. A Capcom tem aqui uma emulação de grande qualidade, que não só respeita todos os fotogramas dos originais, todos os píxeis e toda a arte, como ainda adiciona alguns filtros, podendo o jogador optar pelo formato das “scanlines”, típico dos televisores CRT daquela época, ou então por uma imagem mais polida e consentânea com os modernos ecrãs e televisores. No que respeita a opções de jogo, a Capcom introduziu duas variantes. A primeira, para os chamados jogadores Pro e fãs de primeira água da série. Consiste no X Challenge, um desafio que te leva a enfrentar dois bosses em simultâneo, com três armas à disposição para o combate. No final, é atribuído um tempo e enviado para a tabela de liderança.

O modo “Rookie Hunter” deixa-te jogar descontraidamente, sem te preocupares com os danos recebidos ou com o toque nos picos. A dificuldade é substancialmente amputada. Uma opção claramente dirigida a quem queira chegar ao final sem ter que sofrer, mas lembra-te que fogem à essência de Mega Man, conhecida pelos bons níveis de dificuldade e desafio, por vezes bem altos.

Em conclusão, esta Mega Man Legacy Collection oscila entre o imprescindível e o mediano, embora a primeira esteja em esmagadora maioria. A primeira que abrange os quatro primeiros jogos do segmento (os três primeiros na SNES e os outros na PSX e Saturn), é verdadeiramente destinada a qualquer fã e amante de jogos de acção e plataformas retro. Já os últimos jogos da segunda parte da colecção são os menos consistentes e que menos argumentos sustentam para te convencer. No geral, tens mais uma colecção que como um todo oferece o melhor de Mega Man X, a juntar a modos de jogo adicionais e uma gama de serviço para os fãs bastante robusta.

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