Salary Man Escape – Análise – Uma vida de trabalho

Salary Man Escape é, provavelmente, o jogo mais actual dos últimos tempos e uma metáfora mais ou menos óbvia do mundo em que vivemos e da forma como funciona o mercado de trabalho – um ode a todos os trabalhadores que sucumbem à pressão e stress causado pelo seu trabalho e vidas rotineiras juntamente com a sua constante luta e desejo de libertação. Não acreditas em mim? Basta leres algumas das citações seguintes – tiradas palavra a palavra do jogo – para ficares com uma ideia do humor sádico e acutilante (mas, admito, extremamente realista e oportuno) que impregnam o jogo e que deixarão, certamente, qualquer pessoa que já trabalhou na sua vida com um sorriso na cara:

  • Paixão pelo trabalho não deve ser deturpada pelo dinheiro.
  • Não há nada mais alegre que uma semana de trabalho de 60 horas.
  • Parar é a verdadeira fonte da juventude.

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Salary Man Escape obriga-te realmente a ser paciente, a perceber o funcionamento das leis das físicas

No entanto, como funciona exactamente Salary Man Escape? Bem, o conceito em si é simples – tudo o que tens de fazer é manipular blocos vermelhos de maneira a criar um caminho que permita que a tua personagem – um homem de pasta com fato e gravata – chegue a uma porta que estará algures no cenário 3D, sendo que podes manipular este mesmo cenário da forma que bem entenderes e conseguir assim um melhor ângulo de visualização: podes rodá-lo, baixá-lo, erguê-lo, aproximá-lo, afastá-lo. Para te dar uma ideia ainda mais clara, imagina um híbrido entre Jenga, Captain Toad: Treasure Tracker e Crush 3D, e o resultado que obtiveres será algo semelhante a Salary Man Escape. Parece fácil, não? Pois, inicialmente não terás dificuldades, mas rapidamente o jogo transforma-se num Golias e terás que fazer overclock aos teus neurónios e tentar pensar numa forma criativa para completares o nível. Sim, não existe uma forma única para o fazeres: é apenas questão de tentares usar os itens disponíveis no nível da forma mais inusitada possível. Aliás, em duas ocasiões distintas, o nível quase que se resolveu sozinho, num golpe de sorte (ou terá sido raciocínio exemplar?) que não consigo nem explicar nem replicar – o homenzinho lá correu para a porta e o nível foi registado como completo. Mas tirando estes momentos singulares, Salary Man Escape obriga-te realmente a ser paciente, a perceber o funcionamento das leis das físicas e na forma como o peso ou velocidade de um determinado objecto irá influenciar todo o panorama. E é nestes momentos que sentes a cabeça a fervilhar e, por vezes, um leve ódio dentro de ti – basta o objecto não cair da forma que antecipaste, não girar à velocidade que precisas ou ficar preso em algum local que, automaticamente, sabes que não conseguirás completar o nível e serás obrigado a reiniciar. Existe, obviamente, um processo de constante tentativa e erro e num jogo como este em que as leis da física são imprescindíveis, existe uma certa imprevisibilidade que fará com que nunca tenhas a certeza absoluta do que vai acontecer. Por vezes, é necessária precisão cirúrgica para completar determinados níveis mas, por mais stressante que isso possa ser, a sensação de gratificação quando vez o pequeno homem a atravessar a porta é deveras aliciante.

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Os níveis, de uma forma geral, são breves e, com experimentação, facilmente chegarás ao resultado. Alguns deles, obviamente, irão consumir muito mais tempo e existem várias razões para isso acontecer: a solução pode não ser tão óbvia, o nível pode requerer uma precisão insana ou, pura e simplesmente, porque o teu timing não está a funcionar. Existe um cronómetro em cima do comando do jogo que mostra o tempo em que tens de completar o nível e, apesar do receio e da pressão que o mesmo pode causar no início, rapidamente irás aperceber-te como o mesmo é irrelevante e inútil.

Como seria de esperar, o jogo vai atirando novas mecânicas que aumentam exponencialmente a dificuldade mas, simultaneamente, ajudam a manter o título fresco, original e interessante. Rapidamente terás de manipular balanças, colocando e retirando blocos de maneira a criares lanço e posicioná-las da forma que precisas; usar passadeiras rolantes para deslocar determinadas peças; destruir pedaços de gelo usando o peso de alguns blocos. Em fases finais do jogo, a dificuldade aumenta ainda mais, obrigando-te a jogar com mais do que uma personagem e a fugir de diversos guardas que patrulham os níveis (malditos guardas!). Vale a pena notar que, ao contrário do que possas pensar e indo no sentido oposto de jogos que considero semelhantes como Captain Toad, em momento algum do jogo controlas a personagem: como disse anteriormente, tudo o que tens de fazer é criar um caminho entre ela e a porta. Assim que uma rota esteja disponível, uma linha azul irá aparecer e a personagem irá mover-se automaticamente. O método é funcional mas não é o ideal já que, em mais do que uma ocasião, tenho a certeza ABSOLUTA que criei um caminho desimpedido mas, por alguma razão, a personagem não se movimentou. Provavelmente não estava muito interessada em ir-se embora!

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Existem também moedas em diversos níveis que podes coleccionar, colocadas em posições ainda mais difíceis de alcançar e que te obrigam a usar todo o poder do teu cérebro – no entanto, é aconselhável que faças o que conseguires para as obteres já que, com elas, poderás desbloquear níveis extra. É um pequeno esforço que pode valer a pena e que aumenta a longevidade do jogo de forma considerável.

Salary Man Escape podia facilmente ser convertido para o formato tradicional e pouca (ou mesmo nenhuma) diferença iria fazer.

Infelizmente, este é um jogo que não faz propriamente grande uso da realidade virtual. Aliás, podia facilmente ser convertido para o formato tradicional e pouca (ou mesmo nenhuma) diferença iria fazer. Tirando o simples facto de teres que resolver os diferentes níveis em cima, literalmente, de uma secretária – com um monitor gigante à tua frente, um candeeiro ao lado e um teclado por baixo – a imersão é quase nula e, tendo em conta a repetição dos ambientes e o seus tons monocromáticos, chegará um ponto em que vais acabar por te esquecer da sua existência. Claro que estes visuais poderão ter sido escolhidos de forma propositada para ilustrar o tema do jogo: és apenas uma roda dentada minúscula numa gigantesca engrenagem corporativa, e as cores preto e branco representam lindamente a monotonia e falta de vida deste universo. A banda sonora, no entanto, é peculiar, original, hilariante e adequa-se perfeitamente ao tipo de jogo em questão – mesmo depois de ouvires a mesma música pela enésima vez e teres memorizado a playlist completa.

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Salary Man Escape pode não ser uma super produção com mega gráficos mas trata-se de um jogo de puzzles que funciona extremamente bem e de forma tão fluída que certamente não te desapontará. No entanto, mais importante ainda, o jogo possui personalidade e carácter únicos, sendo que os paralelismos que traça com a vida real, por mais subtis que sejam, são tão irreverentes que é impossível não ficares rendido. Ainda para mais com o jogo totalmente traduzido em português. E, em jeito de conclusão, toma lá mais quatro frases filosóficas provenientes de Salary Man Escape:

  • Mais vale ter mais trabalho do que mais dinheiro.
  • Qualquer um é capaz de encontrar o interruptor com a luz ligada.
  • Haverá sempre espaço para menos um.
  • O trabalho é o único e verdadeiro amor.
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